Diáspora (olho d’água)

O trânsito, do deslocamento
o privilégio de ir e vir como quem
se separa do que não quer.

Carregar peso,
reafirmar o corpo,
e depois flutar
será uma memória daquela diáspora,
primeira?

Do povo que me formou?
Vai e volta na família
– circula –
uma narrativa sobre sofrimento e
deslocamento e
carregar comida consigo.

Sobrevivência, de algum modo.

Há poucos anos me dei conta
da diáspora desse povo branco
desse povo que perdeu seus rituais
a memória, as formas a textura
a circularidade daquilo que vivia

Não, não é como o povo preto

Mas também é diáspora.
Também doeu.
E leva traumas incutidos
– desaparecidos
sob um orgulho racial.

E desaparecidos no ódio de vencer
um outro povo, subjugado, aterrado,
subsumido, povos minorizados.

Vou e volto, cresço e reapareço nessa trajetória.
Corpo de respiro de arroz e soja,
da planície explorada,
de insumo, de plantation contemporânea.

Atravessada pela exploração
– adendo, sou mulher
– adendo, sou mãe
procuro pontos suaves
como que as matinhas no meio da coxilha
onde o olho descansa e lembra
– como criança
(como olhos d’água)
de um refúgio – qualquer.

O trigo colhido,
penteado no campo amarelo.
O sol se deita, um pouco mais.

((Trabalha aquele que pesca?
No meio da estrada?
Espera a truta crescer
para poder comer ela.
Trabalha aquele que leva,
aquele que rala, aquele silo
aquela palmeira, trabalho
do nada, pinheiro, e pastagem.))

Vou e volto com o corpo encarnado
dos corpos que eu posso ser,
das versões que se desdobram,
do tempo que desliza,
escorre, entre passado e
possível.

Acompanho as sombras,
que vão caindo com o fim do dia
eu também faço sombras,
sou levada,
sorrio,
Quando venho, se choro um pouco
sorrio, quando volto
sei para onde vou.

(Olho d’água, deslocamento)
26.03.2024