A lama que tudo engole ou, a água que busca terra

Publicado originalmente em Diário da Enchente https://diariodaenchente.poa.br/a-lama-que-tudo-engole-ou-a-agua-que-busca-a-terra-por-cristina-t-ribas/

e em Des-bordes https://des-bordes.net/no-07/a-lama-que-tudo-engole-ou-a-agua-que-busca-terra/

versão em espanhol em https://des-bordes.net/no-07/el-barro-que-se-lo-traga-todo-o-el-agua-que-busca-la-tierra/

Maio-Julho de 2024

Chora um pouco todo dia, o que também é água. Pesquisa a água, porque tudo que molha se torna, em parte, cumplicidade com essa inundação. A água da lágrima contém água, mas é mais.

A calamidade é um encontro de mundos, mundos que não se tocavam e passam a se atravessar, uns aos outros, a pedir colo, a pedir mão, a demandar urgência. A sociedade da informação se reafirma, na verdade, como sociedade da alienação e da desreferencialização – como se já não habitássemos território nenhum. De repente, como se ninguém estivesse prestando a atenção suficiente, somos engolidos pela força reintegrativa de Gaia, em suas enxurradas catastróficas.

Os que correram da enxurrada do ciclone de Setembro, e mesmo antes daquela, sabem escutar a intensidade da chuva no telhado, escutam o rio e sabem que é hora de sair de suas casas. Mesmo que seja no meio da noite, mesmo que a noite seja incerta… mesmo que não se saiba quantos dias – e quantas noites – tudo aquilo vai durar.

É começo de Maio de 2024. A cidade onde vivo – Porto Alegre – e a região metropolitana, recebem a água de três bacias hidrográficas do estado do Rio Grande do Sul. Com chuvas recordes de mais de 300 mm em três dias, o nível de diversos rios que alimentam esta bacia sobe tanto que varia de 25 metros em áreas de serra a cerca de 6 metros em áreas de planície.

Observo incessantemente as condições climáticas porque trabalho a 300 km de distância, e numa destas noites viajei sob forte chuva de raios. Sim, o céu está caindo, como nos alertam David Kopenawa Yanomami e Ailton Krenak. Um homem morre de raio na noite que viajo, perto do momento em que passamos ao largo da cidade de Santa Cruz do Sul; uma família morre soterrada naquela mesma noite, a quilômetros dali, perto de onde me hospedo em Santa Maria – e os corpos só são encontrados 5 dias depois, debaixo de muita terra molhada. Em meio à tempestade parcamente anunciada, o motorista do ônibus nos leva a Porto Alegre com a urgência de salvar seu próprio corpo, como se a velocidade do ônibus garantisse acordar mais cedo daquele sonho-pesadelo.

Chego em casa com a eletricidade impregnada no corpo. Acordo com a previsão das chuvas chegando a Porto Alegre nos próximos dias. As estradas por onde passamos na noite anterior começam a ser sobrepostas por línguas finas de água que avançam rapidamente. E então trechos de estradas desaparecem, engolidas pela água que tem tom de barro. A separação entre estrada e campo também desaparece. Tudo se torna largo e contínuo. Pontes começam a rachar, e algumas se arrebentam, se quebram como biscoitos gigantes. Pontes que atravessei caíram.

Poucos dias depois, na cidade da bacia onde vivo, a 15 minutos de bicicleta de minha casa, vou em busca do viaduto que, em meio urbano, se torna ponto de resgate de pessoas que ainda saem de suas casas inundadas ou tornadas inacessíveis pela subida das águas – ali chegam pessoas dos bairros Sarandi, Humaitá, Vila Farrapos, São Geraldo. Não, ninguém foi alertado pelo poder público sobre a subida real e inundante das águas. Me surpreendo com o cheiro de gasolina, os barcos infláveis, as “voadeiras”, as roupas de pesca, a mistura entre civis e policiais. A imensa quantidade de civis resgantando pessoas, animais, o que se conseguiu carregar. A água toma conta da cidade e faz desaparecer tudo o que depende de rodas. A percepção tenta se ajustar. Sou transportada para a Amazônia, mas falta a floresta. A água pede navegação, reverte uma territorialidade onde a dominância era a da terra – na verdade, do cimento e do asfalto. Transformação radical, reviravolta, intrusão ou ira de Gaia, como diz Isabelle Stengers.

A cabeça viaja entre as projeções que viemos fazendo – a subida da temperatura global – e as catástrofes que estamos já vivendo há 10, 15 anos no sul do Brasil. O desequilíbrio e a destruição se tornam palpáveis, assim como a razão daquela separação e alienação entre humanos e o que passamos a chamar de natureza, como se fosse outrem que não nós mesmos. Não, nós não escutamos suficientemente o alarde ora calmo ora desesperado – e sob extrema violência – dos povos originários. 1

Narramos entre nós que estávamos mas também não estávamos preparados para isto. Afinal sabíamos a previsão dada pela destruição dos ecossistemas, a equação triste resultante da facilitação das leis ambientais em detrimento da iniciativa privada, a emissão de gases que causam o efeito estufa. O Rio Grande do Sul já foi vanguarda de leis ambientais, agora somos vanguarda de destruição catastrófica. Meu corpo tenta se sustentar entre diversos futuros colapsados, colapsados em minha frente, comigo.2

Há anos vou meio obsessiva com as águas, desenvolvendo cartografias aquosas ou molhadas, como forma de criar coordenadas de situacionalidade, de percepção territorial, de metodologias e pedagogias críticas.3

Formas de desenhar, de partilhar percepções, de constituir existência. Não consigo me desligar do fato de que a catástrofe é movida pela força das águas – que vêm do céu, que vêm do Oceano Pacífico, da Amazônia. Essas águas – e aquelas que a floresta guarda – poderiam estar correndo no meio das matas, descendo sinuosas as corredeiras, umidificando devagar, molecularmente. (Sabedoria e gestão das águas que a floresta faz…)

Cacique Timóteo fuma seu petenguá na retomada da Ponta do Arado, área indígena retomada por um grupo Mabyá Guarani, na borda do Rio Guayba em Porto Alegre, Brasil. Still do filme Guatá, 2022.

Cacique Timóteo da etnia Mbyá guarani, em conversa para o filme Guatá4 diz que guay de Guayba é como seus avós chamavam esse rio “para todos tomarem água”, sendo “ygua”, o lugar onde a gente toma água, onde a água fica concentrada”. Em alguns lugares de Porto Alegre o Guayba veio subindo lentamente, quase que silenciosamente. Em muitos lugares as pessoas não tiveram tempo de sair, como em Canoas. E também bairros foram inundados pela absoluta falta de manutenção dos sistemas de bombas5 . Nos damos conta de que a subida das águas – do esgoto, e da lama – em certas regiões da cidade não cabe em nossos sistemas cognitivos, naquilo que conhecemos da experiência de cidade, e da separabilidade até então semi-controlada com as águas marrons do Guayba.

Jorge Morinico e Cacique Timóteo caminham na retomada da Ponta do Arado, área indígena retomada por um grupo Mabyá Guarani, na borda do Rio Guayba em Porto Alegre, Brasil. Still do filme Guatá, 2022.

No fluxo das águas, a terra toda se amolece, terra que se move. Em meio à enxurrada e a água que chega por todos os lados, vou obsessiva com os mapas, com medições e alturas de terreno, com milímetros de chuva. Metro a metro, quarteirão a quarteirão, uma cidade que se reconhece em suas vizinhanças – e, sobretudo – com as águas lamacentas e, agora, também dos esgotos. Alguns de nós com acesso à informação, apavorados, prescrevendo o horror, outros sem nem saber que estariam embevecidos do horror, sem saber nadar, sem poder fechar a porta de casa (a porta que já não precisará de chave, visto que logo mais será devassada pela força das águas – e do lixo). 600 mil pessoas tem que sair de suas casas.6

As águas carregam tudo mais, convulsionam. Penetram ora lentas ora violentas. Se tornam barrentas, lodosas, não conseguimos saber dos corpos que caem, que rolam, a galharia, os plásticos, os pedaços de carros, de concreto, de muros inteiros carregados, de aço. O plástico desenha percursos, rastros de um modo de vida. O volume se agiganta, a sensação de uma transformação estrutural. O Guaíba sendo o receptor imenso dessas águas confusas, águas que buscam terra, que correm como se procurassem um leito7 , algo que as contenha. Tememos a putrefação de tudo o que é vivo, que recém morre, o que desce a serra, ou a serra descendo. Tememos a água que beberemos.

Imagem: Eduardo Seidl. Porto Alegre, Brasil.

Aquilo que as águas carregam se torna matéria desconhecida, espectro de vida em transformação. A enxurrada se torna monstruosa, é lama antropocênica – e antropogênica. É lama de partículas, lama desconhecida, que tudo engulfa e a tudo encobre. Outra pandemia. Quando a água baixa, regorgita essa matéria estranha, irreconhecível. É uma lama indigesta de Gaia – ou será que ela vai conseguir engolir tudo isto de novo?

De volta àquele viaduto amazônico-em-porto-alegre, encontro uma cidade dos comuns.8 Uma cidade onde não é preciso comprar nada, todos os bens foram exproriados, alimentos, roupas, remédios, acolhimento, gasolina para barcos. Transporte, telefone, lágrimas compartilhadas. Ali tudo é comum, sem dono, sem etiqueta, sem cartão de crédito. A recepção para os desabrigados inaugura um mundo que sempre evitamos instalar: um mundo onde dividimos tudo, onde já não somos donos de nada.

A convulsão das águas e a fábrica irrefreável de lama expõem e pedem uma reorganização de tudo, por isto expõem a nós mesmos nosso modo de vida exploratório e indigesto – para Gaia. Os mundos que são reorganizados pela revolta de Gaia apresentam todas as diferenças – sobretudo da gritante riqueza que vivemos. Mas a abundância não está para todos igualmente. Há aqueles que têm carros 4 x 4 e podem resgatar quem precisa abandonar suas casas, há aqueles que não têm botas de galocha para se livrar da leptospirose. A lama confusa é, literalmente, a desorganização que impusemos a essa terra em comum.

Debaixo do viaduto dos resgates, no abrigo temporário, na cozinha solidária, quanto duram nossas utopias?

Imagem: Eduardo Seidl. Porto Alegre, Brasil.

Dormindo entre sons de helicóptero que resgatam incessantemente, acordamos incógnitos de que calcularemos o impacto da chuvarada em perdas de capital. (Quem poderia estar lucrando, afinal…?). E sim, evidentemente, há pessoas sem trabalho, sem renda, sem alimento.9 Na cidade grande a barbárie continua. Desenha-se uma cidade temporária para os desabrigados de suas casas enlodadas e demolidas. Um verdadeiro campo de refugiados. Concebe-se que o lixão será também na mesma região – zona norte de Porto Alegre. Multiplicam-se as catástrofes. A calamidade para alguns é, afinal, mais um modo de afirmar poder. E a má gestão pública é uma recalcitrância do suprimento de direitos básicos. É absoluta falência programada, estado neoliberal que facilita tudo para o lucro privado. O diário da enchente não pára de transbordar, e a inundação é tanta, a perda é tão profunda, que ira e a incorformidade demoram para se instalar.

Olho ao redor e encontro meu corpo íntegro, ainda, mas meus olhos, mais que embebidos em águas, agora reconhecem o traço da lama em qualquer lugar – lama impregnada, paredes desenhadas, níveis de inundação. A doença que somos, nosso modo de vida não-indígena, somos engolidos por água-e-terra. As águas baixam – mas nunca sem a ameaça de subir novamente a qualquer momento. A lama que tudo recobre nos asfixia. Devolve casas, bairros, fábricas, ateliês, hortas, todas destruídas. O lodo nos gera repulsa, matéria amorfa e não desejada que é o resultado da equação que nunca quisemos encontrar.

Imagem: Eduardo Seidl. Porto Alegre, Brasil. @fototaxia

Desejamos que Gaia faça algo, que consuma esta lama. Que a reabsorva, mas ela é lixo sem categoria, descarte descomunal daquilo que produzimos – e também das nossas vidas feitas em objetos, memórias, máquinas, produtos, bens, conforto. A lama regorgitada por Gaia é matéria desconhecida, artificial, miscigenada, indistinguível. Dependemos de Gaia, de uma transformação intensiva. Desejamos que reaproveite nossas sobras – e que nos devolva algo depois de atravessarmos essa camada espessa. Talvez uma terra seca e firme para pisarmos e habitarmos, uma “terra sem males” – yvy marãe’y – como buscam e nos ensinam os Mbyá guarani. Mas Gaia sabe, apenas teremos direito se bem soubermos andar – ou será navegar – por estas terras.

 

*Para Hannah e Lucas, e muitos companheires com quem caminhamos nesta terra.

Ref. Isabelle Stengers. No tempo das catástrofes. Resistir à barbárie que se aproxima. São Paulo: Cosac & Naify, 2015.

Estéticas do Aborto

Estéticas do Aborto. A presença do lenço verde na luta pela descriminalização

Resumo: O artigo faz uma primeira exposição de uma pesquisa em processo que procura analisar e mobilizar as estéticas do aborto (os modos expressivos que surgem ao redor da luta pela legalização e contra a criminalização e que relatam experiências de aborto). No presente apresento artigo a “passagem” do lenço branco das Madres de la Plaza de Maio, que se torna lenço verde na luta pela legalização, primeiramente na Argentina e depois internacionalmente. A pesquisa analisa a violência heteropatriarcal em relação aos direitos reprodutivos como um todo e percebe a emergência do signo verde no fluxo consciente/inconsciente [visível/invisível; sabido/secreto; público/não publicizado], tomando o espaço público, apresentando a transversalidade dessa demanda entre os movimentos feministas e a multiplicitária invenção de signos, corpos, eventos e mais.

Abstract: The article makes a first presentation of an on going research that seeks to analyze and mobilize the aesthetics of abortion (the expressive ways that arise around abortion experiences and struggle for legalization and against criminalization of abortion). In this article I present the “passage” of the white handkerchief of the Madres de la Plaza de Maio, becoming the green scarf in the struggle for legalization, first in Argentina and then internationally. The research analyzes heteropatriarchal violence in relation to reproductive rights as a whole and perceives the emergence of the green sign in the conscious / unconscious flow, taking over the public space, presenting the transversality of this demand between feminist movements and the multiplicity of invention of signs, bodies, events and more.

“Educação sexual para decidir, conceptivos para não abortar, aborto legal para não morrer.” Luta internacional pela legalização do Aborto

Diversas manifestações e expressões de resistência a partir de movimentos feministas mais ou menos organizados tem centralizado na descriminalização do aborto uma de suas bandeiras mais fortes. O ‘pañuelo’ verde (lenço verde) tem alcançado ampla disseminação e, junto da pauta que ele carrega, o símbolo evidencia que as semióticas dos movimentos atravessam os tempos, reunindo momentos históricos distintos, e também são uma maneira possível de pensar contemporaneamente a estética. Refiro-me aqui a uma estética das expressões, das formas de expressão, quebrando dicotomias entre signo, obra e corpo, entre individualidade e coletividade. O contexto de produção que assinalo aqui se situa, portanto, na expressão estética das multiplicidades feministas. Percebo que as formas de expressão que surgem ao redor das defesa pela legalização do aborto povoam uma multiplicidade: vidas, formas de relacionar-se, direitos reprodutivos, corpas dissidentes. Neste contexto são fomentados também espaços que borram ou atritam estéticas circunscritas aos espaços de enunciação da arte.

Estéticas do aborto é uma pesquisa em processo de manifestações e expressões estéticas que relatam experiências de aborto e demandam sua legalização, analisando a violência heteropatriarcal em relação aos direitos reprodutivos como um todo (no fluxo consciente/inconsciente), e a transversalidade dessa demanda entre os movimentos feministas. Estéticas do aborto é, inevitavelmente, também um dispositivo de escuta. É crucial para essa pesquisa entender de que forma as novas constituições políticas e o trabalho turbilhonar dos signos no movimento feminista pró-legalização abarcam a estatística que marca o aborto: mães (2/3 dos casos), mulheres indígenas e mulheres negras são as que mais abortam no Brasil. Portanto é pertinente perguntar a partir de que corpos vemos a luta contra a criminalização e pró-legalização, e analisar se as expressões estéticas das lutas pró-aborto estão dando conta (também) de representar essas vidas, algo que não darei conta neste texto.

A luta contra a criminalização tem surgido com mais força em meio às mobilizações e movimentos feministas nos últimos dez anos na América Latina (escopo que consigo tentar dar conta com esse texto). A luta pela descriminalização é também a luta por direitos reprodutivos, uma questão de saúde pública. A aparição do verde como cor significativa dessa luta acontece em 2003, no Encuentro Nacional de Mujeres en Rosario (Argentina), segundo a pesquisadora Carolina Muzi (2019). Neste momento a cor lilás já marcava o movimento feminista internacional, mas a luta contra a criminalização ainda não tinha uma identidade específica. O verde se tornará alguns anos depois o lenço “verde-aborto” (em 2017), aprendendo da luta das Mães e Avós da Praça de Maio, que desde 1977 reclamam a desaparição de seus filhos (e netos) em meio à ditadura da Argentina. Elas tem o lenço branco como signo mais unitário da sua luta. “Somos madres de 30.000 (desaparecidos)”, elas dizem. O lenço branco vem do “pañal”, literalmente fralda em castelhano, que passa a ocupar as cabeças, primeiro com o bordado do nome dos filhos desaparecidos, a data, e sua ocupação. Ana Longoni escreve: “E é, como a fralda, recipiente de fluidos corporais íntimos, que se deseja conter, esconder // revisar ou esconder (lágrimas, suor e muco)”. O lenço branco, como marca filogenética, invoca os filhos arrancados pelo estado. Por outro lado, o movimento conservador demanda que deve haver filhos que sejam forçados a nascer. A “socialização da maternidade” nas ruas de trinta anos atrás não é, contudo, para as Madres e Abuelas, a maternidade compulsória, é a socialização sobre a condição colocada pelo opressor – como aquele que impõe o direito de quem pode morrer e quem pode viver. O que deve estar em jogo, antes, é o direito a decidir.

(texto completo Esteticas do aborto_bienal 3_2020)

duelos sobre a maternidade

sei não essa coisa da #maternidade ser tão polêmica é porque nos mostra simplesmente que todos saímos de uma xoxota arregaçada (ou de uma barriga cortada), depois de meses de um estado nada racional (que se extende à infância claro) em que tudo o que tínhamos era água pura, calor e o ritmo do batimento cardíaco, dos gases, dos movimentos dos corpos de nossas mães e daqueles que as rodeavam. o contraste do mundo da barriga com o mundo ‘de fora’ mostra que somos nem tanto humanos, mas que somos muito mais animais do que gostaríamos, e por tanto controlamos tanto, ou tentamos controlar isso que é assim mistério de multiplicação da vida. quanta prepotência há no duelo sobre a maternidade. é o seguimento do heterocapitalismo, do qual muitas mulheres também se iludem, de uma incompreensão em larga escala de que algo se perdeu. não falo de uma maternidade arcaica, nem só de mulheres, falo de maternagens, de jeitos de cuidar, e de sair desse controle absurdo sobre aquilo que expressamos e sentimos com o duelo que vivemos entre reprodução social e cuidado reprodutivo. é complicado porque nesse tema se separa muito a percepção da mãe-nova-mulher (na onda das novas maternidades super empoderadas) e a criança (e seus mundos sensíveis em construção, e por outro lado as infâncias idealizadas, etc etc). quem sabe uma pequena viagem à nossa própria vida quando embarrigados poderia mudar um pouco a perspectiva.