Fumaça. O cigarro começa a fumar a si mesmo. Enquanto eu entro numa deriva mental e prazeiroza sobre o morrendo que ocupa esse cigarro em mim. O que acontece com o fumar? Com a contagem do tempo. Com a contagem dos cigarros. Essa contagem de hora definida. Essa performance pra mim mesma. A factualidade da vida. A evanescência.
Instrução da ação: fumar um cigarro para cada ação de cuidado reprodutivo. Fumar um cigarro ao fazer o café da manhã da filha. Fumar um cigarro ao levá-la na escola. Fumar um cigarro ao responder à mensagens para uma pessoa amiga. Fumar um cigarro quando tiver me arrumando para trabalhar. Fumar um cigarro quando colocar as roupas na máquina de lavar. Fumar um cigarro quando fizer a lista de compras. …
Cada dia ensaio um novo cinzeiro. Hoje usei o papel de guardanapo ou de secar as mãos de um banheiro que não lembro qual foi. O cigarro que fumara a si mesmo eu não apaguei mas deixei ali. Agora fuma o papel.
Tem o fazer nada do cigarro.
Achei que era um arquivodesarquivo só de literatura. Só de letras.
Acheiachando no caminho de ir guardar a Hilda com meus olhos de cão ao lado do teu na prateleira. Que eu sabia que tinha. Um espaço digo. E sim, essa proximidade já conhecida entre você e a Hilda. Ao menos o você-autor-daquele-livro e a Hilda dos olhos de cão. E alguns outros mais.
Categoria estranha essa. Esse canto da prateleira.
Cartografias e diagramas: pensando com imagens e com o espaço
ART00030 – Tópico Especial
Carga horária: 30 horas/aula
Créditos: 02 (10 encontros de 3h cada)
Público alvo: Alunos do PPG, aceita alunos ouvintes
Professor(a) responsável: Dra. Cristina Thorstenberg Ribas
Professor Colaborador/PPGAV/Pós-doc PNPD/CAPES (Supervisão: Profa. Dra. Maria Amélia Bulhões)
Terças-feiras, das 9h – 12h
Início das aulas ERE: 22/03 – 11/06
Número de vagas: 25
Local: mconf ou jitsi meet (link a ser informado por e-mail)
Área de Concentração (PV/HTC) – Ambos
Aulas expositivas, seminário de leitura, compartilhamento de produção teórica e artística, escrita e desenho.
Súmula
A disciplina Cartografias e diagramas: pensando com imagens e com o espaço surge a partir do interesse em perceber que a pesquisa em arte contemporânea pode ganhar muitas novas formas de desenvolvimento quando pensada a partir da relação entre as imagens e do espaço, assim como aprende das ‘constelações’ de imagens que podem surgir nos processos de pesquisa, no qual uma certa arqueologia procura inaugurar relações singulares, tal como na obra de Aby Warburg. Neste curso, os conceitos de diagrama e cartografia (Basbaum, Mesquita, Holmes, O’Sullivan), a partir de referenciais contemporâneos diversos, mais internos ou externos às artes, são aliados para produzir processos de pesquisa e processos estéticos.
Vamos estudar a produção de cartografias visuais e diagramas aliadas à pesquisa em artes, orientada tanto para artistas como para historiadores e curadores (de Soto, O’Sullivan, Holmes, Mesquita). O objetivo é pensar não apenas a produção de imagens, as semióticas intrínsecas a elas e sua circulação (Guattari), mas a relação entre as imagens e, com isso, a produção do espaço ele mesmo. Espaço e tempo se articulam na produção de espacialidades virtuais, reais, digitais ou concretas – públicas, partilhadas, comuns, sensíveis, produtivas. Espacialidades e temporalidades não lineares, de maneira que se possa analisar também a produção do olhar ocidental e as cosmologias situadas que vem desestabilizar essa linearidade. Por isso, veremos como a pesquisa em artes pode ressaltar, também, a importância do papel da ‘cognição inventiva’ na constituição dos imaginários (e dos processos de pesquisa) num processo não objetivista mas extremamente rico entre produção de subjetividades e mundos (Kastrup, Stengers).
Diante da saturação das imagens na era digital e de seus limites, poderemos produzir maneiras de reorganizar fluxos e espacialidades, e analisar a circulação e a relação entre imagens, imaginários, espaços, sociabilidades e mundos, de forma que se possa analisar também a relação entre arte e ciência, e a produção inevitável de complexidades nesses processos de análise e produção do conhecimento (Stengers).
Objetivo
Neste curso vamos tomar conhecimento tanto da produção teórica sobre cartografia como a produção de autores e grupos tais como Bureau D’Études, Iconoclasistas, Pablo de Soto, Ricardo Basbaum etc, a partir de autores da filosofia, das artes e da história das artes, da psicologia social, da arquitetura e da geografia crítica. Os conceitos a serem investidos são cartografia subjetiva, cartografia visual, cartografia social e crítica ou contra-cartografia, cartografia como método de pesquisa, diagrama icônico, diagrama funcional, geopsiquiatria, espaço, virtualidade, complexidade, invenção, especulação, produção de conceitos, entre outros.
O conteúdo da disciplina será revertido sobre os problemas da pesquisa em arte e da criação, da visualidade e do imaginário, e demais problemas da estética na contemporaneidade, de maneira que o(a)s aluno(a)s tenham acesso a um conteúdo interdisciplinar que diversifica a pesquisa em artes e a relaciona com outras áreas do conhecimento.
A disciplina tem por objetivo também realizar um percurso conceitual e abrir espaços de intervenção e diálogo com a pesquisa dos(as) mestrando(a)s e doutorando(a)s – que são convidados a partilharem suas pesquisas e participarem do seminário de leituras, auxiliando-os no desenvolvimento de seus trabalhos.
Método de trabalho
No modo ERE as aulas serão realizadas em sala de aula virtual. Manteremos um encontro por semana com duração de 3h. Os encontros em sala de aula virtual serão 10 ao total. As aulas em modo ERE mantém a estratégia de ensino da disciplina presencial: aulas expositivas e dialogadas, realização de seminários por parte da/dos aluna/os apresentando leituras e seus processos de pesquisa, análise e discussão conjunta de estudos de caso, e um trabalho final.
Avaliação
Presença mínima de 75% das aulas. Cada aluna/aluno deverá participar de ao menos um seminário com leitura de texto, partilha do seu processo de pesquisa e um trabalho final de até 12 páginas ao final do semestre.
Conteúdo programático
O cronograma completo de leitura será detalhado na primeira semana de aulas, cujas leituras estão listadas na bibliografia. Aulas expositivas serão preparadas pela professora, relacionando a produção de teórico(a)s, artistas, processos e projetos da arte contemporânea e afins, nos seus cruzamentos e atravessamentos com os estudos da comunicação, a psicologia social e os estudos da cognição e da subjetividade.
Bibliografia (a ser revisada e atualizada)
*Todos os textos serão compartilhados em drive/pdf ou link na internet.
Basbaum, Ricardo. Além da pureza visual. Porto Alegre: Editora Zouk, 2007.
Bureau D’Études, Holmes, Brian and Lomme, Freek. An Atlas of agendas: Mapping the power, mapping the commons. Paris: Onomatopee, 2013.
Kollectiv Orangotango. This is Not an Atlas: A Global collection of counter-cartographies. Verlag/Bielefeld: Transcript / Rosa de Luxemburg Stifund 2018. Disponível em < https://notanatlas.org>
Iconoclasistas (Julia Risler e Pablo Aires). Manual de mapeo colectivo: recursos cartográficos críticos para processos territoriais de criação colaborativa. Buenos Aires: Tinta Limón e os editores, 2013.
Kastrup, Virginia. A invenção de si e do mundo. Uma introdução do tempo e do coletivo no estudo da cognição. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
Kastrup, V.; Passos, E. Passos. Políticas da cognição, Porto Alegre: Sulina, 2008
Guattari, Félix. As três ecologias. Campinas: Papirus, 1990.
Guattari, Félix. O Insconsciente Maquínico. Campinas: Papirus Editora, 1988.
Guattari, Félix. Schizoanalytic Cartographies. London/New York: Bloomsbury, 2013. (versão em espanhol disponível em PDF)
Holmes, Brian, Guattari’s Schizonanalytic Cartographies. In: Continental Drift. Disponível em <http://brianholmes.wordpress.com/2009/02/27/guattaris- schizoanalytic-cartographies> [Acessado em Junho 2013]
Mesquita, André. Mapas dissidentes: contracartografia, poder e resistência. São Paulo: Humanitas, 2019.
Michaud, Philippe-Alain. Aby Warburg e a imagem em movimento. Belo Horizonte: Contraponto, 2021.
O’Sullivan, S., “On the Diagram (and a Practice of Diagrammatics)”. Em: Situational Diagram, eds. Karin Schneider and Begum Yasar, New York: Dominique Lévy, 2016. ISBN 978-1-944379-09-4
Ribas, Cristina T., “Complexidade, Cartografia de”. Em: Indisciplinar. UFMG, Belo Horizonte, 2017. <http://blog.indisciplinar.com/sobre-a-revista-2/> (artigo) [acessado em 03/05/2017]
Ribas, Cristina T. “Diagramas especulativos a partir da análise institucional, ‘desejos de grupo’ no Brasil em crise”. Em: Revista Modos, no prelo. 2022
Stengers, Isabelle, Power and Invention: Situating Science. University of Minesota Press, Minneapolis, 1997.
Stengers, Isabelle. A invenção das ciências modernas. São Paulo: Ed. 34., 2002
Warburg, Aby. Mnemosyne Atlas. (e textos) https://warburg.library.cornell.edu/panel/b
Vídeos e filmes
Brian Holmes. Guattari’s Cartographies: Territory, Subjectivity, Existence. 2011
Este No Es un Atlas – Un documental sobre contra-cartografías. Kollectiv orangotango. Berlim, 2019 <https://notanatlas.org/videos/>
Cidades Multiespécies (de Soto, et al.) , Apresentação final de disciplina da Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFPB, ministrada por Prof. Dr. Pablo de Soto, 15/06/2021
Virginia Kastrup (palestra)
As políticas da cognição e a invenção de um mundo comum e heterogêneo
Organizadoras_
Cristina T. Ribas, Paula Cobo-Guevara e Maria Amélia Bulhões
Apresentação_
Desde a experiência da crítica institucional anglo-saxã, se criaram novos diagramas conceituais para repensar a produção (e as condições) das práticas artísticas contemporâneas, a partir das porosidades e encontros com práticas sociais e de novas concepções espaciais dos anos 60, produzindo, entre elas, um desborde disciplinar. Por sua vez, a análise institucional vai produzir experiências, saberes e práticas singulares, também desde uma perspectiva de crítica radical às instituições, neste caso, “entramadas” nas instituições psiquiátricas, escolares, universitárias, de saúde, etc; nomeando estes desbordamentos e modulações sob o conceito de “transversalidade”. De que forma estas duas trajetórias, sejam elas travessias, navegações ou rastejos de pensamento poderiam abrir-se em afetações (afecções) comuns, atualizando experiências, práticas e saberes? De que forma se criam ferramentas, e estratégias que nos dão acesso ao problema da produção de subjetividade e, por tanto, aos modos de existência que subvertem o regime colonial capitalista, racista, antropo-logo-falo-cêntrico?
Neste dossiê damos espaço a algumas produções artísticas, críticas, narrativas e historiográficas que vem surgindo de um caminho traçado na experimentação tênue entre “instinto e instituição”, como debateram Gilles Deleuze e Félix Guattari, e outros autores que focam no que poderíamos pensar, talvez estranhamente, por destituinte, também para pensarmos uma saúde menor, e junto a ela, uma saúde menor da arte, com a minúsculo. Atentas às novas intervenções (e invenções) institucionais que vem sendo inauguradas e instauradas e às formas de produção social situadas entre os modos da clínica e da cultura convidamos autores para fomentarem esse debate, partilhando seus referenciais e suas ferramentas conceituais, e para compartilharem suas práticas.
Procuramos com esse dossiê reunir a contribuição de pesquisadores, artistas, psicanalistas, psicólogas e psicólogos, profissionais de saúde e mais, investidos nos estudos da subjetividade e em re-situar uma ético-estético-política desses desbordes institucionais. O dossiê Instinto e instituição apresenta artigos que surgem de práticas situadas, a partir da análise institucional, da anti-psiquiatria, da saúde e da saúde mental na América Latina e alhures, de clínicas públicas de psicanálise, de práticas artísticas e clínicas, de clínicas ecosóficas, que, cada uma à sua forma, surgem de uma arte das processualidades, de focos de criatividade mutante, não cafetinada, e das formas insubordinadas, fragmentárias e ao mesmo tempo insurgentes diante dos limites institucionais e das forças normotizantes que se solidificam na atualidade, práticas portanto, decoloniais. Mais do que uma reorganização topográfica, de campos ou áreas do conhecimento, nos motivou reunir aqui produções e pesquisas que podemos agarrar pelo desborde, pela barra (como de uma saia), e, porque não, pelo meio mesmo, como acesso ao campo de forças, problemático e inventivo, dessas experiências. Trabalhamos aqui uma vontade que apreendemos da história da análise institucional no Brasil, uma vontade política de produzir novos problemas, que seja uma vontade de invenção que dê passagem a afetos-matéria, e em movimento – entre espaços, grupalidades, instituições.
O dossiê apresenta artigos e ensaios que surgem de práticas situadas, a partir da análise institucional, da anti-psiquiatria, da saúde e da saúde mental na América Latina e alhures, de clínicas públicas de psicanálise, de práticas artísticas e clínicas, de clínicas ecosóficas, que, cada uma à sua forma, surgem de uma arte das processualidades, de focos de criatividade mutante, não cafetinada, e das formas insubordinadas, fragmentárias e ao mesmo tempo insurgentes diante dos limites institucionais e das forças normotizantes que se solidificam na atualidade, demarcando que são práticas portanto, decoloniais. Mais do que uma reorganização topográfica, de campos ou áreas do conhecimento, nos motivou reunir aqui produções e pesquisas que podemos agarrar pelo desborde, pela barra (como de uma saia), e, porque não, pelo meio mesmo, como acesso ao campo de forças, problemático e inventivo, dessas experiências. Trabalhamos aqui uma vontade que apreendemos da história da análise institucional no Brasil, uma vontade política de produzir novos problemas, que seja uma vontade de invenção que dê passagem a afetos-matéria, e em movimento – entre espaços, grupalidades, instituições.
Este texto faz parte de um dos episódios do podcast Punto Ciego, do MUAC (México), e pode ser escutado aqui https://muac.unam.mx/podcasts/punto-ciego no episódio ‘Maternidades’
É a maternidade obrigatória? Quais são as condições de existência da maternidade? Que formas de significação se produzem entre maternidade e um sistema majoritário de reprodução da vida? E que outras formas de fazer maternidade nos atravessam? Mães brancas mães negras mães indigenas mães trans mães. Uma autora negra, bahiana, assistente social, Carta Akotirene em seu livro “Interseccionalidade” fala que tanto Audre Lorde e como Achile Mbembe analisam que enquanto as mulheres brancas tem medo que seus filhos possam crescer e ser cooptados pelo patriarcado, as mulheres negras temem enterrar seus filhos vitimados pelas necropolíticas que militar e confessionalmente matam e deixam morrer contrariando o discurso cristão elitista-branco de valorização da vida e contra o aborto. Reiteramos: o aborto é um direito reprodutivo. E essa relação truncada com a maternidade é uma encruzilhada teórica da qual não se pode escapar. Amamos a nossos filhes nossas filhas nossos filhos, os que tivemos e os que não tivemos. E aqueles que o estado tirou. E a nós mesmas, também nos cuidamos. Maternagem a-feto: matripotências e outras linhagens bastardas contra o patriarcado duro.
{Versión Espanhol}
¿Es la maternidad obligatoria? ¿Cuáles son las condiciones de existencia de la maternidad? ¿Qué formas de sentido se producen entre la maternidad y un gran sistema de reproducción de la vida? y ¿qué otras formas de hacer maternidad nos atraviesan? Madres blancas madres negras madres indígenas madres trans madres. Una autora bahiana negra, trabajadora social, Carla Akotirene en su libro “Interseccionalidad” dice que tanto audre lorde como achile mbembe analizan que mientras las mujeres blancas tienen miedo de que sus hijos crezcan y sean cooptados por el patriarcado, las mujeres negras temen enterrar a sus hijos victimizados por las necropolíticas que militar y confesionalmente matan y dejan morir contra el discurso cristiano elitista-blanco de valorar la vida y contra el aborto. Reiteramos que el aborto es un derecho reproductivo. Esta relación rota con la maternidad es una encrucijada teórica a la que no se puede escapar. Amamos a nuestros hijes, a nuestras hijas, a nuestros hijos, a los que tuvimos y a los que no. Y los que el estado se llevó. Y nosotras mismas, también nos cuidamos. Maternidades a-feto: matripotencias contra el patriarcado duro.
Quando o cabelo inverte para o outro lado onde não estava eu acordo com as mulheres que não acordam suas filhas corpo contra a gravidade e elas dão um beijo na testa de suas filhas e talvez uma delas seja a enfermeira e outra a cobradora e eu rolo no tapete da sala antes da hora do banho dessa vez sem o segundo tatame embaixo. O tapete é felpudo um pouco gelado umidade de fora rolamos juntas eu e minha filha eu rolo um pouco mais procurando encostar o pedaço da nuca que nunca encosta e de novo vem pra mim quem acorda as filhas das mulheres que não acordam suas filhas?
Construir sua própria vida, construir algo de vivo, não somente com os próximos, com as crianças – seja numa escola ou não – com amigos, com militantes, mas também consigo mesmo, para modificar, por exemplo, sua própria relação com o corpo, com a percepção das coisas.* Um homem escreveu surrupiei a sua percepção para a povoar com meu corpo existência de mulher e outro que disse de uma relacionalidade infinita. Ele, o de antes, pergunta se isso seria como diriam alguns desviar-se das causas revolucionárias mais fundamentais. Preocupação de quem e como as causas urgentes atravessando a escrita de um homem uma mulher se apropria das sensações comuns como emoliente feita de toque e morna ao mesmo tempo em que ela desenvolve maneiras desenhadas na pressa de descascar batatas. Relacionalidade infinita dança improviso mutabilidade modulação.
Uma contagem da vida anonimicamente não sabemos muito bem quem produz os gráficos das vidas anônimas que morrem diante da gente em gráfico morrem diante das mulheres que não acordam suas filhas o meu medo a minha cama por cima de tudo meu sonho por baixo de tudo isso vivemos nas cidades das vidas anônimas e os corpos dos outros são serviços para os nossos. Mas agora as valas de terra solta corpos dos que nunca queremos ver chove e lava os corpos mortos penetráveis superfícies que são fechadas em sistemas de corpos internos neurotizados a doença para dentro. Asfixia aumentada alienação em gráfico especialistas de mortes (homens de gravata).
Posso respirar quando chove muito eu lembro que essa cidade é charco e caminho nas ruas pisando em sementes secas para provocar um craca como aquela do sonho em que a chuva corrompia o cimento duradouro desse prédio onde me penduro como célula macia. Abrir a terra era inevitável eu dizia mas as pilastras estavam seguras o som de cada gota de chuva do lado de fora a chuva desenha um ritual em que o desaguar da nuvem é o lugar de cada morte. Cada morte não posso respirar.
Uma nesga de sol um longo inverno disse outro homem que agora tem medo do fora se encastela para viver depois do inverno. Fecho os olhos e vejo pequenas sementes desperdiçadas nos lençóis freáticos paredes de cimento que secam a terra por dentro uma cova para uma água brotada um teto que pinga também dentro da casa alguma coisa alguma comunidade imaginada de realidade comum de corpos quentes e não dos corpos que vão ou dos corpos que se evitam. Na urgência queríamos uma comunidade de parideiras de mulheres que gozam que abortam e que cuidam. Os filhos doentes do patriarcado são cuidados por quem agora? No abrigo-confinamento a crise dos cuidados a povoar a crise dos cuidados a povoar o invisibilizado em todo e qualquer canto, em toda e qualquer célula doméstica alguns podem mais algumas sofrem mais algumas mães chegam em casa e não podem beijar suas filhas.
Nas costas de mim, nos bolsos do macacão, as cascas de frutas secas nos meus bolsos sun day s as cascas laranja a casa e as cores mornas a luz baixa e aquela pedra esculpida com um nome na lateral da igreja gótica ao mesmo tempo introduzindo o cemitério todo no topo de Glasgow. In the memory of Sundays era um homem ou era um ritual pagão que ocupava ali mesmo do lado da igreja um pedaço de chão terrenal projeção de tempos infinitos. Em casa eu viajo nas paisagens onde olhava para longe procurando quase como se conseguisse perfurar a nuca e expandir espaço sem teto sobre a cabeça onde eu nem sabia que precisaria tanto, agora.
Se eu molhar as cascas secas das frutas com as gotas das chuvas eu vou embora de mim mesma em matéria mágica. Vai embora também um moi idéal e un idéal de moi impressa na tela de projeção virtual procurando olhar sem ser frontal (impossível). Something like that água por tudo água nos meus olhos água por tudo dizem que o vírus habitava as águas sujas antes mesmo de brotar parasita em um pulmão poluído o vírus sem saber esperava uma brecha as condições ambientais um acúmulo de toxinas. Mas estou no lugar que deveria estar anoto coisas do tipo quando há tempo de anotar como mandalas em palavras. Rabiscos de ritual traços cascas.
Choveu tanto. As árvores seguram o limite do lençol freático Domingos un hombre de mucos hablaba por abajo de las sabanas un operario preso na construção do canal por allí húmedo y aun vivo de manos verdes puro limo, algas y hongos el me llama a bajar al canal unos 12 metros abajo de mi ventana. Domingos para ver as formas incompletas de vida e de proteína que cruzam em alta velocidade os subúrbios das águas umedecem a carne da cama o lençol toca por uma fina camada gelada faz uma ponte úmida do meu corpo com o lençol freático.
A Canafístula frondosa me conhece mais que eu habita toda a janela do quarto e carinha minha alma acompanho com ela as cores do dia e ela é um filtro manso das transições dos dias o silencioso canal aterrado entre as ruas que descem do Mont’serrat eu sou a mulher branca do 308 que enumera amorosamente as casas de madeira que existem ainda sobrevivem na vizinhança como hongos coloridos de um outro modo de habitar e os meus vizinhos negros que eu não conheço da história do bairro das calçadas de arenito vermelho que eu queria lamber. Os meus vizinhos das casas de madeira não vão subir para o quinto andar de um prédio de granito marrom que canalizou o lençol Sun days um vôo no espaço aéreo da Canafístula.
Eu tenho outro sonho dessa vez com un hombre de la casa curativa habitava uma casa azul como nas paredes calcadas do Marrocos que nunca fui manchas azules es ahora y no el hombre de mucos que não pode acordar as suas filhas porque algumas delas nem podem acordar (ele está com os ouvidos tapados ele conversa comigo por gestos). O outro está muito ocupado sua vida entre decisões talvez ele leia os gráficos eu espero que ele tenha um tempo entre tantas pessoas que lhe solicitam fecho a tela dos gráficos seguro no colo um bebê com rosto de menino-homem que me pede amamentação como? Interpelada a casa curativa do homem o sonho ainda não é a comunidade de parideiras de paredes calcadas de amoroso sangue.
Eu rolo no solo esticando um último estalo no pescoço desejo sair do sonho vejo algumas plantas aqui em casa e entre as paredes de calcário na umidade as paredes fluxos de sangue fluxos de signo diante da tela evidenciam a vida mais como signo que como vida. Como podem se desfazer de vidas espero desenhando diagramas transformativos olhando uma psyché corrompida remendos de realidade os filhos adultos que não abraçaram seus pais. A minha filha a esperar no banheiro cerrado de névoa amplio o peito para pegar um pouco mais de ar e ele está cheio molhado de água o dia acaba abraço afago quente e é noite de novo debaixo da Canafístula.
* Sob uma raíz de uma árvore Canafístula (Peltophorum dubium) ou Ibirá-pitá (Paraguai e na Argentina). Árvore da família das Fabaceae.
**Escritor homem surrupiado: Félix Guattari, em Revolução Molecular.
Estéticas do Aborto. A presença do lenço verde na luta pela descriminalização
Resumo: O artigo faz uma primeira exposição de uma pesquisa em processo que procura analisar e mobilizar as estéticas do aborto (os modos expressivos que surgem ao redor da luta pela legalização e contra a criminalização e que relatam experiências de aborto). No presente apresento artigo a “passagem” do lenço branco das Madres de la Plaza de Maio, que se torna lenço verde na luta pela legalização, primeiramente na Argentina e depois internacionalmente. A pesquisa analisa a violência heteropatriarcal em relação aos direitos reprodutivos como um todo e percebe a emergência do signo verde no fluxo consciente/inconsciente [visível/invisível; sabido/secreto; público/não publicizado], tomando o espaço público, apresentando a transversalidade dessa demanda entre os movimentos feministas e a multiplicitária invenção de signos, corpos, eventos e mais.
Abstract: The article makes a first presentation of an on going research that seeks to analyze and mobilize the aesthetics of abortion (the expressive ways that arise around abortion experiences and struggle for legalization and against criminalization of abortion). In this article I present the “passage” of the white handkerchief of the Madres de la Plaza de Maio, becoming the green scarf in the struggle for legalization, first in Argentina and then internationally. The research analyzes heteropatriarchal violence in relation to reproductive rights as a whole and perceives the emergence of the green sign in the conscious / unconscious flow, taking over the public space, presenting the transversality of this demand between feminist movements and the multiplicity of invention of signs, bodies, events and more.
“Educação sexual para decidir, conceptivos para não abortar, aborto legal para não morrer.” Luta internacional pela legalização do Aborto
Diversas manifestações e expressões de resistência a partir de movimentos feministas mais ou menos organizados tem centralizado na descriminalização do aborto uma de suas bandeiras mais fortes. O ‘pañuelo’ verde (lenço verde) tem alcançado ampla disseminação e, junto da pauta que ele carrega, o símbolo evidencia que as semióticas dos movimentos atravessam os tempos, reunindo momentos históricos distintos, e também são uma maneira possível de pensar contemporaneamente a estética. Refiro-me aqui a uma estética das expressões, das formas de expressão, quebrando dicotomias entre signo, obra e corpo, entre individualidade e coletividade. O contexto de produção que assinalo aqui se situa, portanto, na expressão estética das multiplicidades feministas. Percebo que as formas de expressão que surgem ao redor das defesa pela legalização do aborto povoam uma multiplicidade: vidas, formas de relacionar-se, direitos reprodutivos, corpas dissidentes. Neste contexto são fomentados também espaços que borram ou atritam estéticas circunscritas aos espaços de enunciação da arte.
Estéticas do aborto é uma pesquisa em processo de manifestações e expressões estéticas que relatam experiências de aborto e demandam sua legalização, analisando a violência heteropatriarcal em relação aos direitos reprodutivos como um todo (no fluxo consciente/inconsciente), e a transversalidade dessa demanda entre os movimentos feministas. Estéticas do aborto é, inevitavelmente, também um dispositivo de escuta. É crucial para essa pesquisa entender de que forma as novas constituições políticas e o trabalho turbilhonar dos signos no movimento feminista pró-legalização abarcam a estatística que marca o aborto: mães (2/3 dos casos), mulheres indígenas e mulheres negras são as que mais abortam no Brasil. Portanto é pertinente perguntar a partir de que corpos vemos a luta contra a criminalização e pró-legalização, e analisar se as expressões estéticas das lutas pró-aborto estão dando conta (também) de representar essas vidas, algo que não darei conta neste texto.
A luta contra a criminalização tem surgido com mais força em meio às mobilizações e movimentos feministas nos últimos dez anos na América Latina (escopo que consigo tentar dar conta com esse texto). A luta pela descriminalização é também a luta por direitos reprodutivos, uma questão de saúde pública. A aparição do verde como cor significativa dessa luta acontece em 2003, no Encuentro Nacional de Mujeres en Rosario (Argentina), segundo a pesquisadora Carolina Muzi (2019). Neste momento a cor lilás já marcava o movimento feminista internacional, mas a luta contra a criminalização ainda não tinha uma identidade específica. O verde se tornará alguns anos depois o lenço “verde-aborto” (em 2017), aprendendo da luta das Mães e Avós da Praça de Maio, que desde 1977 reclamam a desaparição de seus filhos (e netos) em meio à ditadura da Argentina. Elas tem o lenço branco como signo mais unitário da sua luta. “Somos madres de 30.000 (desaparecidos)”, elas dizem. O lenço branco vem do “pañal”, literalmente fralda em castelhano, que passa a ocupar as cabeças, primeiro com o bordado do nome dos filhos desaparecidos, a data, e sua ocupação. Ana Longoni escreve: “E é, como a fralda, recipiente de fluidos corporais íntimos, que se deseja conter, esconder // revisar ou esconder (lágrimas, suor e muco)”. O lenço branco, como marca filogenética, invoca os filhos arrancados pelo estado. Por outro lado, o movimento conservador demanda que deve haver filhos que sejam forçados a nascer. A “socialização da maternidade” nas ruas de trinta anos atrás não é, contudo, para as Madres e Abuelas, a maternidade compulsória, é a socialização sobre a condição colocada pelo opressor – como aquele que impõe o direito de quem pode morrer e quem pode viver. O que deve estar em jogo, antes, é o direito a decidir.
Feminismos Bastardos. Feminismos Tardio. Abortar o Estado heteropatriarcal.
Eu sou a puta que pariu.
Eu sou a puta aborteira que pariu e que sabe muito bem cuidar, e também negar cuidado.
Eu sou a puta que pariu corpos livres.
E como aprendi com Ni Una Menos da Argentina. Eles são os filhos doentes do patriarcado. Mal paridos pelo patriarcado.
Imagine que este texto seja uma colagem.
De muitas vozes e muitas vidas. Algumas subsumidas, algumas achatadas. Algumas que se associam a outras que se pronunciam. Este texto é uma colagem. Aliás, leia esse texto com os contratempos e os infratempos e as síncopes dos tempos de um processo não linear, caótico e assustador da instituição da merda patriarcal. Heterocapitalista, machista, racista e misógina. Ou, em vez de merda, podemos dizer instituição do ‘pão com leite condensado’ heteropatriarcal. Afinal, a mais recente instituição assim o é também. A nova versão de ‘pão com leite condensado’ (pra quem não sabe, um bando de homens se masturbando ao redor de um punhado de pães…) segue o golpe que retirou Dilma do poder, e segue o golpe a cada dia.
Esse texto se escreve com os tempos de uma maternidade, de alguns abortos, e de estupros, estupros coletivos inclusive, de feminicídios e de apologias à violência de inúmeras formas, e de violência real, e de… muitos protestos, tuítes, hashtags, tomadas das ruas, rituais afro-ameríndios, peitos de fora… choros, novos enunciados. Uma eleição. E um golpe, já mencionado. E ah! Uma prisão. Exemplar. Histórica. Ideológica. Polícia política. #Elenão #Elesnunca. O tempo da escrita é um tempo que pode coincidir com o seu. Tempos que podem causar (n)uma mulher. E uma mulher que lê outras mulheres. Mulheres puta, puta-mulheres. E que conversa com elas partejando transfeminismos. Partejando feminismos transversais. Texto que vem querendo arrebentar a (aparente) indeterminação e a sexualidade imposta a um feminismo. Feminismo(s) que tem que ser, antes, pelo contrário, não branco, não classista, não heterossexual. Texto de mulheres-trans e transvestigêneres (como diz Indianare Siqueira), que amamentam suas filhas, que acolhem suas companheiras, e que abortam com elas. Abortam também o estado em seu corpo. De seu corpo. Abortam para parir estados pretos. Novas sementes, sementes de Marielle.
Imagine que há homens ao redor. Claro. Você mesmo leitor talvez seja homem. Evidente que há homens ao redor. E eles estão representados, de novo, lá no lugar que nos é tomado, de novo, como violação da realidade e da política mesma, e, sobretudo, como reafirmação dessa distância, dessa alienação. Eles tornam-se representantes. Mas do quê? Política, como eles reiteram, não é lugar para mulheres. Nem para negras, nem para pobres. É a partir do governo desses homens – e da impossibilidade que habitemos com eles espaços de representatividade, e espaços comuns, que esse texto é escrito.
Em 2018, nas campanhas para as candidaturas políticas, o corpo do outro se tornou o corpo do diálogo impossível onde morriam meu afeto e mesmo minha capacidade de escuta (aliás, o que é a escuta no sistema do não diálogo?). Antes de reforçar o outro como já intocável, antes de querer endereçar aquele que já se cristalizou lá naquela forma, que é o corpo daquele que se constitui ao modo semiotizado pelo conservadorismo fascistoide (e há mesmo fascistas autointitulados!), eu queria poder falar a partir de modos em passagem, de modulações, de alguma coisa que se mistura, e se arranca, para produzir a si, fora de certas capturas.(…)
Em minha tese Processos de Pesquisa, Produção de Conhecimento, e Criatividade Processual: Cartografia Esquizoanalítica no Brasil parto do pressuposto de que a partir de uma interseção entre processos estéticos, a clínica e a política podem ser produzidos efeitos transformativos em práticas de saúde mental e criação coletiva. Seguindo a perspectiva das práticas esquizoanalíticas, produzo uma genealogia destas práticas no Brasil de maneira a explorar a articulação entre pesquisa e produção do conhecimento em processos estéticos tendo a “criatividade processual” (Guattari) como elemento central de estudo. O teatro ou “dispositivos teatrais” (Pelbart, 2013) são abordados como métodos possíveis para desprogramar bloqueios subjetivos no que tange à capacidade criativa e relacional, em busca de encontrar novos modos expressivos. Percebo como o trabalho de improvisação e dinamização a partir de dispositivos teatrais tais como o Teatro do Oprimido trabalha subjetivações processuais e processos de significação abertos, procurando compreender de que maneira o TO produz efeitos similares a uma esquizoanálise. Parto do pressuposto de que o potencial criativo e inventivo das subjetividades contemporâneas está condicionado a diversas capturas, resultando em uma série de bloqueios e ou numa sensação de artificialização da experimentação estética. Este diagnóstico se articula a outro diagnóstico: em como a saúde mental se torna absolutamente frágil no contexto do capitalismo financeiro, e como é necessário politizar o cuidado e a criação, na emergência de novos modos instituintes, de novas singularidades e nas lutas minoritárias. Como disse Augusto Boal, a “catarse dos blocos opressores” (Rainbow of Desires, 1998, p. 72-73). Observo como o teatro pensado e praticado como “dispositivo teatral” potencializa um espaço plástico e estético como espaço de elaboração de subjetividades, de emoções, de bloqueios, de possíveis, em processos cartográficos (de acompanhamento).
Artigo
Em minha tese, defendida recentemente no programa de Artes da Goldsmiths College – University of London, Processos de Pesquisa, Produção de Conhecimento, e Criatividade Processual: Cartografia Esquizoanalítica no Brasil1 parto do pressuposto de que a partir de uma interseção entre processos estéticos, a clínica e a política podem ser produzidos efeitos transformativos em práticas de saúde mental e criação coletiva. Em minha tese, seguindo a perspectiva das cartografias esquizoanalíticas (sobre as quais falarei mais adiante), produzo uma genealogia destas práticas no Brasil de maneira a explorar a articulação entre pesquisa e produção do conhecimento em processos estéticos tendo a “criatividade processual” (Guattari, 1992) como elemento central de estudo. O teatro ou “dispositivos teatrais” (Pelbart, 2013) são abordados como métodos possíveis para desprogramar bloqueios subjetivos no que tange a capacidade criativa e relacional, em busca de encontrar novos modos expressivos. Procuro salientar como o trabalho de improvisação e dinamização (Boal, 1992, 1998) a partir de dispositivos teatrais trabalha subjetivações parciais, processuais e processos de significação abertos em uma proliferação de sentidos e semióticas – por isso a importância das noções de variabilidade e transformação presentes tanto em Augusto Boal, a partir do Teatro do Oprimido, assim como na filosofia da diferença e nas cartografias esquizoanalíticas.
Dentre os quatro estudos de caso de minha tese um deles é o Teatro do Oprimido. Os outros são o Teatro Oficina, o Esquizodrama e a Companhia Teatral Ueinzz. Esta última foi criada em um hospital dia para usuários de saúde mental em São Paulo, em 1998. Na pesquisa do doutoramento, ao colocar em relação cada um dos quatro estudos de caso com uma prática esquizoanalítica não pretendi achatar as características de cada uma das quatro práticas de teatro e drama colocando-as o vocabulário da esquizoanálise, mas, ao contrário, olhar para suas características específicas, seus métodos, seus conceitos, relacioná-las e complementá-las com o que a esquizoanálise quer potencializar: a necessidade de operar de maneira desbloqueante naquilo que pode estar sendo cristalizado ou tornando imóveis corpos, modos, instituições e mais. A esquizoanálise como falarei mais adiante quer tornar possível a reinvenção dessas relações, a atenção aos fluxos do desejo, a possibilidade de articular ficcionalidade, artificialidade e realidade; e, a partir disso, provocar uma intervenção no real, de maneira que se possa falar na transformação subjetiva e política respeitando a vida, as dinâmicas do vivo. Em minha pesquisa de doutorado eu queria compreender de que forma dispositivos teatrais e o trabalho em grupos e de companhias de teatro hoje, com o desenvolvimento de diferentes estratégias, pela exploração das variações infinitas do corpo, a improvisação e a sobreposição de cenas, contextos, histórias, narrativas, produz efeitos intensos e libertadores, como disse Augusto Boal, a “catarse dos blocos opressores” (Boal, 1998, p. 72-73).
Nesse artigo faço um recorte de minha pesquisa e relaciono a dinamização e a transformação conceituada por Augusto Boal no Teatro do Oprimido ao trabalho da Companhia Teatral Ueinzz, sem detalhar exaustivamente métodos do Teatro do Oprimido. Vale ressaltar que em minha pesquisa o teatro é pensado e praticado antes como “dispositivo teatral”, conceito que não foi unicamente definido por Peter Pál Pelbart (2013), mas é a partir dele que o utilizo. A partir da definição de Pelbart, percebo que se trata da criação de um dispositivos em busca de potencializar um espaço plástico e estético como espaço de elaboração de subjetividades, de emoções, de bloqueios, de possíveis. Pelbart (2013) conta que com o teatro ativado por Ueinzz, com esse dispositivo teatral, ou parateatral, o que está em jogo é a subjetividade não racionalizada dos atores. O que está sendo levado ao palco ou performado são maneiras de perceber, de sentir, de vestir-se, de posicionar-se, mover-se, falar, pensar, fazer perguntas, também por escapar do olhar dos outros, e do gozo dos outros (p. 148). Pelbart ressalta que esse dispositivo é hesitante e sempre indeciso, inconclusivo, sem apresentar promessas. Quer reverter Poder sobre a vida em poder da vida (p. 148). 2 Esse dispotitivo não se limita ao que ele tem de efeito estético, por isso Pelbart reforça que ele varre os clichés da loucura ou da arte mesmo, ou mesmo das relações, fazendo emergir vetores diferentes, ainda desconhecidos (p. 148).
(…)
1 Tese defendida em 19 de Dezembro de 2016. Supervisão de Susan Kelly. Bolsa Capes Doutorado Pleno (2012-2016). Base de dados da Goldsmiths, versão digital em http://tinyurl.com/yba7496x
2 Todas as referências a este livro de Pelbart (2013) foram traduzidas por mim. Grifo do autor.
Particles of my body mix up with the last chewing gum I have recovered from the bottom of the pocket while I think that maybe we could have casual sex as if we were teenager neighbours and later on after years we could look at each other and say we could get married.
Particles of my chewing gum are defeating me but not so much if I get into a self vanishing mode that wants to melt with what is around me being not afraid of losing consistency but eager to experiment other ones. Such as having quick and lavish sex with my neighbour.
Marriage is a word that suggests many semiotisations. Proposing marriage as someone who chews up a chewing gum and is not afraid of losing consistency seems fine. A testing of sense, taste, tender, tonus, intensity, resistance and sweat also do come with.
Neighbour? Is a chance location. Or location by chance. For if being your neighbour I could have had the chance of teasing you since much earlier in life. Luckily another type of territory brought us together. Drawing from this sort of particles and consistencies to drive around between bodies spaces desire libido encounter and adults semiotisations, such as marriage, better saying, tasting it all from the disposability of a chewing gum must, still, be fine.