Cartografias esquizoanalíticas e Teatro do Oprimido: algumas passagens

Resumo

Em minha tese Processos de Pesquisa, Produção de Conhecimento, e Criatividade Processual: Cartografia Esquizoanalítica no Brasil parto do pressuposto de que a partir de uma interseção entre processos estéticos, a clínica e a política podem ser produzidos efeitos transformativos em práticas de saúde mental e criação coletiva. Seguindo a perspectiva das práticas esquizoanalíticas, produzo uma genealogia destas práticas no Brasil de maneira a explorar a articulação entre pesquisa e produção do conhecimento em processos estéticos tendo a “criatividade processual” (Guattari) como elemento central de estudo. O teatro ou “dispositivos teatrais” (Pelbart, 2013) são abordados como métodos possíveis para desprogramar bloqueios subjetivos no que tange à capacidade criativa e relacional, em busca de encontrar novos modos expressivos. Percebo como o trabalho de improvisação e dinamização a partir de dispositivos teatrais tais como o Teatro do Oprimido trabalha subjetivações processuais e processos de significação abertos, procurando compreender de que maneira o TO produz efeitos similares a uma esquizoanálise. Parto do pressuposto de que o potencial criativo e inventivo das subjetividades contemporâneas está condicionado a diversas capturas, resultando em uma série de bloqueios e ou numa sensação de artificialização da experimentação estética. Este diagnóstico se articula a outro diagnóstico: em como a saúde mental se torna absolutamente frágil no contexto do capitalismo financeiro, e como é necessário politizar o cuidado e a criação, na emergência de novos modos instituintes, de novas singularidades e nas lutas minoritárias. Como disse Augusto Boal, a “catarse dos blocos opressores” (Rainbow of Desires, 1998, p. 72-73). Observo como o teatro pensado e praticado como “dispositivo teatral” potencializa um espaço plástico e estético como espaço de elaboração de subjetividades, de emoções, de bloqueios, de possíveis, em processos cartográficos (de acompanhamento).

Artigo

Em minha tese, defendida recentemente no programa de Artes da Goldsmiths College – University of London, Processos de Pesquisa, Produção de Conhecimento, e Criatividade Processual: Cartografia Esquizoanalítica no Brasil1 parto do pressuposto de que a partir de uma interseção entre processos estéticos, a clínica e a política podem ser produzidos efeitos transformativos em práticas de saúde mental e criação coletiva. Em minha tese, seguindo a perspectiva das cartografias esquizoanalíticas (sobre as quais falarei mais adiante), produzo uma genealogia destas práticas no Brasil de maneira a explorar a articulação entre pesquisa e produção do conhecimento em processos estéticos tendo a “criatividade processual” (Guattari, 1992) como elemento central de estudo. O teatro ou “dispositivos teatrais” (Pelbart, 2013) são abordados como métodos possíveis para desprogramar bloqueios subjetivos no que tange a capacidade criativa e relacional, em busca de encontrar novos modos expressivos. Procuro salientar como o trabalho de improvisação e dinamização (Boal, 1992, 1998) a partir de dispositivos teatrais trabalha subjetivações parciais, processuais e processos de significação abertos em uma proliferação de sentidos e semióticas – por isso a importância das noções de variabilidade e transformação presentes tanto em Augusto Boal, a partir do Teatro do Oprimido, assim como na filosofia da diferença e nas cartografias esquizoanalíticas.

Dentre os quatro estudos de caso de minha tese um deles é o Teatro do Oprimido. Os outros são o Teatro Oficina, o Esquizodrama e a Companhia Teatral Ueinzz. Esta última foi criada em um hospital dia para usuários de saúde mental em São Paulo, em 1998. Na pesquisa do doutoramento, ao colocar em relação cada um dos quatro estudos de caso com uma prática esquizoanalítica não pretendi achatar as características de cada uma das quatro práticas de teatro e drama colocando-as o vocabulário da esquizoanálise, mas, ao contrário, olhar para suas características específicas, seus métodos, seus conceitos, relacioná-las e complementá-las com o que a esquizoanálise quer potencializar: a necessidade de operar de maneira desbloqueante naquilo que pode estar sendo cristalizado ou tornando imóveis corpos, modos, instituições e mais. A esquizoanálise como falarei mais adiante quer tornar possível a reinvenção dessas relações, a atenção aos fluxos do desejo, a possibilidade de articular ficcionalidade, artificialidade e realidade; e, a partir disso, provocar uma intervenção no real, de maneira que se possa falar na transformação subjetiva e política respeitando a vida, as dinâmicas do vivo. Em minha pesquisa de doutorado eu queria compreender de que forma dispositivos teatrais e o trabalho em grupos e de companhias de teatro hoje, com o desenvolvimento de diferentes estratégias, pela exploração das variações infinitas do corpo, a improvisação e a sobreposição de cenas, contextos, histórias, narrativas, produz efeitos intensos e libertadores, como disse Augusto Boal, a “catarse dos blocos opressores” (Boal, 1998, p. 72-73).

Nesse artigo faço um recorte de minha pesquisa e relaciono a dinamização e a transformação conceituada por Augusto Boal no Teatro do Oprimido ao trabalho da Companhia Teatral Ueinzz, sem detalhar exaustivamente métodos do Teatro do Oprimido. Vale ressaltar que em minha pesquisa o teatro é pensado e praticado antes como “dispositivo teatral”, conceito que não foi unicamente definido por Peter Pál Pelbart (2013), mas é a partir dele que o utilizo. A partir da definição de Pelbart, percebo que se trata da criação de um dispositivos em busca de potencializar um espaço plástico e estético como espaço de elaboração de subjetividades, de emoções, de bloqueios, de possíveis. Pelbart (2013) conta que com o teatro ativado por Ueinzz, com esse dispositivo teatral, ou parateatral, o que está em jogo é a subjetividade não racionalizada dos atores. O que está sendo levado ao palco ou performado são maneiras de perceber, de sentir, de vestir-se, de posicionar-se, mover-se, falar, pensar, fazer perguntas, também por escapar do olhar dos outros, e do gozo dos outros (p. 148). Pelbart ressalta que esse dispositivo é hesitante e sempre indeciso, inconclusivo, sem apresentar promessas. Quer reverter Poder sobre a vida em poder da vida (p. 148). 2 Esse dispotitivo não se limita ao que ele tem de efeito estético, por isso Pelbart reforça que ele varre os clichés da loucura ou da arte mesmo, ou mesmo das relações, fazendo emergir vetores diferentes, ainda desconhecidos (p. 148).

(…)

1 Tese defendida em 19 de Dezembro de 2016. Supervisão de Susan Kelly. Bolsa Capes Doutorado Pleno (2012-2016). Base de dados da Goldsmiths, versão digital em http://tinyurl.com/yba7496x

2 Todas as referências a este livro de Pelbart (2013) foram traduzidas por mim. Grifo do autor.

 

Para ler o texto completo em PDF clique [aqui]

Publicado nos ANAIS do 5o. JITOU – Jornadas Internacionais do Teatro do Oprimido e Universidade. UNIRIO – Rio de Janeiro, 2017.

Processos de pesquisa, produção de conhecimento e criatividade processual /// sinopse

Processos de pesquisa, produção de conhecimento e criatividade processual:

Cartografias esquizoanalíticas no Brasil

A tese analisa o conceito de “cartografia esquizoanalítica” a partir do trabalho de Félix Guattari e seu desenvolvimento prático e teórico no Brasil. Práticas cartográficas vem sendo desenvolvidas extensivamente no Brasil desde os anos 1980, sobretudo a partir das teorias e práticas de Guattari e dos contextos da análise institucional francesa e psiquiatria institucional italiana. Cartografias esquizoanalíticas podem ser desenvolvidas como uma ferramenta ou como um dispositivo para analisar o agenciamento coletivo do desejo.

Cartografias mapeiam e criam: elas são realizadas por aqueles que querem produzir suas próprias vidas, ao mesmo tempo em que resistem à opressão e os diversos modos de subjetivação capitalista que levam à subsunção do desejo, do afeto e da criatividade. Em resposta a isto, essa tese traça cartografias esquizoanalíticas que desenvolvem novos processos de pesquisa e novas formas de organização, subjetivação e institucionalização no Brasil.

Explora termos centrais no trabalho de Guattari, como os conceitos de ‘transversalidade’ e ‘micropolítica’ para analisar práticas de processos de pesquisa na academia, como o grupo de pesquisa Subjetividade Contemporânea, e grupos de teatro trabalhando em transversal com saúde mental como a Companhia de Teatro Ueinzz. Analiso como esses processos trabalham através das instituições, das práticas teatrais da clínica e do corpo social. A tese analisa a relação entre ‘subjetividade processual’ e ‘criatividade processual’, propondo o ‘processual’ como a forma de acoplamento entre sujeitos, modos de expressão e instituições.

Esta tese argumenta contra noções redutivas de arte politicamente engajada que propõe oposições entre as práticas estética e política, e trabalha contra definições institucionalmente circunscritas de pesquisa baseada em prática. Ao contrário, esta tese propõe novos recortes e diferentes genealogias de práticas que transversalizam e radicalizam a produção estética, conectando tais práticas a suas bases políticas, por for a da agenda das grandes instituições culturais, dos mundos e mercados da arte. A partir da análise de práticas, esta tese argumenta que cartografias esquizoanalíticas trabalham conjuntamente a ‘criatividade processual’ e a ‘produção de subjetividade’ permitindo uma reorganização dos campos dapolítica, da estética e da produção do conhecimento.

* Tese aprovada em Dezembro de 2016 no Art Department, Goldsmiths College, University of London, UK. Bolsista Capes – Doutorado Pleno, 2012. Supervisão de Dra. Susan Kelly.

To read this synopsis in english click [here]