Instinto e instituição: desbordes institucionais entre a estética e a clínica

Organizadoras_
Cristina T. Ribas, Paula Cobo-Guevara e Maria Amélia Bulhões


Apresentação_

Desde a experiência da crítica institucional anglo-saxã, se criaram novos diagramas conceituais para repensar a produção (e as condições) das práticas artísticas contemporâneas, a partir das porosidades e encontros com práticas sociais e de novas concepções espaciais dos anos 60, produzindo, entre elas, um desborde disciplinar. Por sua vez, a análise institucional vai produzir experiências, saberes e práticas singulares, também desde uma perspectiva de crítica radical às instituições, neste caso, “entramadas” nas instituições psiquiátricas, escolares, universitárias, de saúde, etc; nomeando estes desbordamentos e modulações sob o conceito de “transversalidade”. De que forma estas duas trajetórias, sejam elas travessias, navegações ou rastejos de pensamento poderiam abrir-se em afetações (afecções) comuns, atualizando experiências, práticas e saberes? De que forma se criam ferramentas, e estratégias que nos dão acesso ao problema da produção de subjetividade e, por tanto, aos modos de existência que subvertem o regime colonial capitalista, racista, antropo-logo-falo-cêntrico?

Neste dossiê damos espaço a algumas produções artísticas, críticas, narrativas e historiográficas que vem surgindo de um caminho traçado na experimentação tênue entre “instinto e instituição”, como debateram Gilles Deleuze e Félix Guattari, e outros autores que focam no que poderíamos pensar, talvez estranhamente, por destituinte, também para pensarmos uma saúde menor, e junto a ela, uma saúde menor da arte, com a minúsculo. Atentas às novas intervenções (e invenções) institucionais que vem sendo inauguradas e instauradas e às formas de produção social situadas entre os modos da clínica e da cultura convidamos autores para fomentarem esse debate, partilhando seus referenciais e suas ferramentas conceituais, e para compartilharem suas práticas.

Procuramos com esse dossiê reunir a contribuição de pesquisadores, artistas, psicanalistas, psicólogas e psicólogos, profissionais de saúde e mais, investidos nos estudos da subjetividade e em re-situar uma ético-estético-política desses desbordes institucionais. O dossiê Instinto e instituição apresenta artigos que surgem de práticas situadas, a partir da análise institucional, da anti-psiquiatria, da saúde e da saúde mental na América Latina e alhures, de clínicas públicas de psicanálise, de práticas artísticas e clínicas, de clínicas ecosóficas, que, cada uma à sua forma, surgem de uma arte das processualidades, de focos de criatividade mutante, não cafetinada, e das formas insubordinadas, fragmentárias e ao mesmo tempo insurgentes diante dos limites institucionais e das forças normotizantes que se solidificam na atualidade, práticas portanto, decoloniais. Mais do que uma reorganização topográfica, de campos ou áreas do conhecimento, nos motivou reunir aqui produções e pesquisas que podemos agarrar pelo desborde, pela barra (como de uma saia), e, porque não, pelo meio mesmo, como acesso ao campo de forças, problemático e inventivo, dessas experiências. Trabalhamos aqui uma vontade que apreendemos da história da análise institucional no Brasil, uma vontade política de produzir novos problemas, que seja uma vontade de invenção que dê passagem a afetos-matéria, e em movimento – entre espaços, grupalidades, instituições.

O dossiê apresenta artigos e ensaios que surgem de práticas situadas, a partir da análise institucional, da anti-psiquiatria, da saúde e da saúde mental na América Latina e alhures, de clínicas públicas de psicanálise, de práticas artísticas e clínicas, de clínicas ecosóficas, que, cada uma à sua forma, surgem de uma arte das processualidades, de focos de criatividade mutante, não cafetinada, e das formas insubordinadas, fragmentárias e ao mesmo tempo insurgentes diante dos limites institucionais e das forças normotizantes que se solidificam na atualidade, demarcando que são práticas portanto, decoloniais. Mais do que uma reorganização topográfica, de campos ou áreas do conhecimento, nos motivou reunir aqui produções e pesquisas que podemos agarrar pelo desborde, pela barra (como de uma saia), e, porque não, pelo meio mesmo, como acesso ao campo de forças, problemático e inventivo, dessas experiências. Trabalhamos aqui uma vontade que apreendemos da história da análise institucional no Brasil, uma vontade política de produzir novos problemas, que seja uma vontade de invenção que dê passagem a afetos-matéria, e em movimento – entre espaços, grupalidades, instituições.

(…)

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É a maternidade obrigatória?

Este texto faz parte de um dos episódios do podcast Punto Ciego, do MUAC (México), e pode ser escutado aqui https://muac.unam.mx/podcasts/punto-ciego no episódio ‘Maternidades’

É a maternidade obrigatória? Quais são as condições de existência da maternidade? Que formas de significação se produzem entre maternidade e um sistema majoritário de reprodução da vida? E que outras formas de fazer maternidade nos atravessam? Mães brancas mães negras mães indigenas mães trans mães. Uma autora negra, bahiana, assistente social, Carta Akotirene em seu livro “Interseccionalidade” fala que tanto Audre Lorde e como Achile Mbembe analisam que enquanto as mulheres brancas tem medo que seus filhos possam crescer e ser cooptados pelo patriarcado, as mulheres negras temem enterrar seus filhos vitimados pelas necropolíticas que militar e confessionalmente matam e deixam morrer contrariando o discurso cristão elitista-branco de valorização da vida e contra o aborto. Reiteramos: o aborto é um direito reprodutivo. E essa relação truncada com a maternidade é uma encruzilhada teórica da qual não se pode escapar. Amamos a nossos filhes nossas filhas nossos filhos, os que tivemos e os que não tivemos. E aqueles que o estado tirou. E a nós mesmas, também nos cuidamos. Maternagem a-feto: matripotências e outras linhagens bastardas contra o patriarcado duro.

{Versión Espanhol}

¿Es la maternidad obligatoria? ¿Cuáles son las condiciones de existencia de la maternidad? ¿Qué formas de sentido se producen entre la maternidad y un gran sistema de reproducción de la vida?  y ¿qué otras formas de hacer maternidad nos atraviesan? Madres blancas madres negras madres indígenas madres trans madres. Una autora bahiana negra, trabajadora social, Carla Akotirene en su libro “Interseccionalidad” dice que tanto audre lorde como achile mbembe analizan que mientras las mujeres blancas tienen miedo de que sus hijos crezcan y sean cooptados por el patriarcado, las mujeres negras temen enterrar a sus hijos victimizados por las necropolíticas que militar y confesionalmente matan y dejan morir contra el discurso cristiano elitista-blanco de valorar la vida y contra el aborto. Reiteramos que el aborto es un derecho reproductivo. Esta relación rota con la maternidad es una encrucijada teórica a la que no se puede escapar. Amamos a nuestros hijes, a nuestras hijas, a nuestros hijos, a los que tuvimos y a los que no. Y los que el estado se llevó. Y nosotras mismas, también nos cuidamos. Maternidades a-feto: matripotencias contra el patriarcado duro.

Sob uma raiz

Sob uma raiz

Quando o cabelo inverte para o outro lado onde não estava eu acordo com as mulheres que não acordam suas filhas corpo contra a gravidade e elas dão um beijo na testa de suas filhas e talvez uma delas seja a enfermeira e outra a cobradora e eu rolo no tapete da sala antes da hora do banho dessa vez sem o segundo tatame embaixo. O tapete é felpudo um pouco gelado umidade de fora rolamos juntas eu e minha filha eu rolo um pouco mais procurando encostar o pedaço da nuca que nunca encosta e de novo vem pra mim quem acorda as filhas das mulheres que não acordam suas filhas?

Construir sua própria vida, construir algo de vivo, não somente com os próximos, com as crianças – seja numa escola ou não – com amigos, com militantes, mas também consigo mesmo, para modificar, por exemplo, sua própria relação com o corpo, com a percepção das coisas.* Um homem escreveu surrupiei a sua percepção para a povoar com meu corpo existência de mulher e outro que disse de uma relacionalidade infinita. Ele, o de antes, pergunta se isso seria como diriam alguns desviar-se das causas revolucionárias mais fundamentais. Preocupação de quem e como as causas urgentes atravessando a escrita de um homem uma mulher se apropria das sensações comuns como emoliente feita de toque e morna ao mesmo tempo em que ela desenvolve maneiras desenhadas na pressa de descascar batatas. Relacionalidade infinita dança improviso mutabilidade modulação.

Uma contagem da vida anonimicamente não sabemos muito bem quem produz os gráficos das vidas anônimas que morrem diante da gente em gráfico morrem diante das mulheres que não acordam suas filhas o meu medo a minha cama por cima de tudo meu sonho por baixo de tudo isso vivemos nas cidades das vidas anônimas e os corpos dos outros são serviços para os nossos. Mas agora as valas de terra solta corpos dos que nunca queremos ver chove e lava os corpos mortos penetráveis superfícies que são fechadas em sistemas de corpos internos neurotizados a doença para dentro. Asfixia aumentada alienação em gráfico especialistas de mortes (homens de gravata).

Posso respirar quando chove muito eu lembro que essa cidade é charco e caminho nas ruas pisando em sementes secas para provocar um craca como aquela do sonho em que a chuva corrompia o cimento duradouro desse prédio onde me penduro como célula macia. Abrir a terra era inevitável eu dizia mas as pilastras estavam seguras o som de cada gota de chuva do lado de fora a chuva desenha um ritual em que o desaguar da nuvem é o lugar de cada morte. Cada morte não posso respirar.

Uma nesga de sol um longo inverno disse outro homem que agora tem medo do fora se encastela para viver depois do inverno. Fecho os olhos e vejo pequenas sementes desperdiçadas nos lençóis freáticos paredes de cimento que secam a terra por dentro uma cova para uma água brotada um teto que pinga também dentro da casa alguma coisa alguma comunidade imaginada de realidade comum de corpos quentes e não dos corpos que vão ou dos corpos que se evitam. Na urgência queríamos uma comunidade de parideiras de mulheres que gozam que abortam e que cuidam. Os filhos doentes do patriarcado são cuidados por quem agora? No abrigo-confinamento a crise dos cuidados a povoar a crise dos cuidados a povoar o invisibilizado em todo e qualquer canto, em toda e qualquer célula doméstica alguns podem mais algumas sofrem mais algumas mães chegam em casa e não podem beijar suas filhas.

Nas costas de mim, nos bolsos do macacão, as cascas de frutas secas nos meus bolsos sun day s as cascas laranja a casa e as cores mornas a luz baixa e aquela pedra esculpida com um nome na lateral da igreja gótica ao mesmo tempo introduzindo o cemitério todo no topo de Glasgow. In the memory of Sundays era um homem ou era um ritual pagão que ocupava ali mesmo do lado da igreja um pedaço de chão terrenal projeção de tempos infinitos. Em casa eu viajo nas paisagens onde olhava para longe procurando quase como se conseguisse perfurar a nuca e expandir espaço sem teto sobre a cabeça onde eu nem sabia que precisaria tanto, agora.

Se eu molhar as cascas secas das frutas com as gotas das chuvas eu vou embora de mim mesma em matéria mágica. Vai embora também um moi idéal e un idéal de moi impressa na tela de projeção virtual procurando olhar sem ser frontal (impossível). Something like that água por tudo água nos meus olhos água por tudo dizem que o vírus habitava as águas sujas antes mesmo de brotar parasita em um pulmão poluído o vírus sem saber esperava uma brecha as condições ambientais um acúmulo de toxinas. Mas estou no lugar que deveria estar anoto coisas do tipo quando há tempo de anotar como mandalas em palavras. Rabiscos de ritual traços cascas.

Choveu tanto. As árvores seguram o limite do lençol freático Domingos un hombre de mucos hablaba por abajo de las sabanas un operario preso na construção do canal por allí húmedo y aun vivo de manos verdes puro limo, algas y hongos el me llama a bajar al canal unos 12 metros abajo de mi ventana. Domingos para ver as formas incompletas de vida e de proteína que cruzam em alta velocidade os subúrbios das águas umedecem a carne da cama o lençol toca por uma fina camada gelada faz uma ponte úmida do meu corpo com o lençol freático.

A Canafístula frondosa me conhece mais que eu habita toda a janela do quarto e carinha minha alma acompanho com ela as cores do dia e ela é um filtro manso das transições dos dias o silencioso canal aterrado entre as ruas que descem do Mont’serrat eu sou a mulher branca do 308 que enumera amorosamente as casas de madeira que existem ainda sobrevivem na vizinhança como hongos coloridos de um outro modo de habitar e os meus vizinhos negros que eu não conheço da história do bairro das calçadas de arenito vermelho que eu queria lamber. Os meus vizinhos das casas de madeira não vão subir para o quinto andar de um prédio de granito marrom que canalizou o lençol Sun days um vôo no espaço aéreo da Canafístula.

Eu tenho outro sonho dessa vez com un hombre de la casa curativa habitava uma casa azul como nas paredes calcadas do Marrocos que nunca fui manchas azules es ahora y no el hombre de mucos que não pode acordar as suas filhas porque algumas delas nem podem acordar (ele está com os ouvidos tapados ele conversa comigo por gestos). O outro está muito ocupado sua vida entre decisões talvez ele leia os gráficos eu espero que ele tenha um tempo entre tantas pessoas que lhe solicitam fecho a tela dos gráficos seguro no colo um bebê com rosto de menino-homem que me pede amamentação como? Interpelada a casa curativa do homem o sonho ainda não é a comunidade de parideiras de paredes calcadas de amoroso sangue.

Eu rolo no solo esticando um último estalo no pescoço desejo sair do sonho vejo algumas plantas aqui em casa e entre as paredes de calcário na umidade as paredes fluxos de sangue fluxos de signo diante da tela evidenciam a vida mais como signo que como vida. Como podem se desfazer de vidas espero desenhando diagramas transformativos olhando uma psyché corrompida remendos de realidade os filhos adultos que não abraçaram seus pais. A minha filha a esperar no banheiro cerrado de névoa amplio o peito para pegar um pouco mais de ar e ele está cheio molhado de água o dia acaba abraço afago quente e é noite de novo debaixo da Canafístula.

* Sob uma raíz de uma árvore Canafístula (Peltophorum dubium) ou Ibirá-pitá (Paraguai e na Argentina). Árvore da família das Fabaceae.

**Escritor homem surrupiado: Félix Guattari, em Revolução Molecular.

Estéticas do Aborto

Estéticas do Aborto. A presença do lenço verde na luta pela descriminalização

Resumo: O artigo faz uma primeira exposição de uma pesquisa em processo que procura analisar e mobilizar as estéticas do aborto (os modos expressivos que surgem ao redor da luta pela legalização e contra a criminalização e que relatam experiências de aborto). No presente apresento artigo a “passagem” do lenço branco das Madres de la Plaza de Maio, que se torna lenço verde na luta pela legalização, primeiramente na Argentina e depois internacionalmente. A pesquisa analisa a violência heteropatriarcal em relação aos direitos reprodutivos como um todo e percebe a emergência do signo verde no fluxo consciente/inconsciente [visível/invisível; sabido/secreto; público/não publicizado], tomando o espaço público, apresentando a transversalidade dessa demanda entre os movimentos feministas e a multiplicitária invenção de signos, corpos, eventos e mais.

Abstract: The article makes a first presentation of an on going research that seeks to analyze and mobilize the aesthetics of abortion (the expressive ways that arise around abortion experiences and struggle for legalization and against criminalization of abortion). In this article I present the “passage” of the white handkerchief of the Madres de la Plaza de Maio, becoming the green scarf in the struggle for legalization, first in Argentina and then internationally. The research analyzes heteropatriarchal violence in relation to reproductive rights as a whole and perceives the emergence of the green sign in the conscious / unconscious flow, taking over the public space, presenting the transversality of this demand between feminist movements and the multiplicity of invention of signs, bodies, events and more.

“Educação sexual para decidir, conceptivos para não abortar, aborto legal para não morrer.” Luta internacional pela legalização do Aborto

Diversas manifestações e expressões de resistência a partir de movimentos feministas mais ou menos organizados tem centralizado na descriminalização do aborto uma de suas bandeiras mais fortes. O ‘pañuelo’ verde (lenço verde) tem alcançado ampla disseminação e, junto da pauta que ele carrega, o símbolo evidencia que as semióticas dos movimentos atravessam os tempos, reunindo momentos históricos distintos, e também são uma maneira possível de pensar contemporaneamente a estética. Refiro-me aqui a uma estética das expressões, das formas de expressão, quebrando dicotomias entre signo, obra e corpo, entre individualidade e coletividade. O contexto de produção que assinalo aqui se situa, portanto, na expressão estética das multiplicidades feministas. Percebo que as formas de expressão que surgem ao redor das defesa pela legalização do aborto povoam uma multiplicidade: vidas, formas de relacionar-se, direitos reprodutivos, corpas dissidentes. Neste contexto são fomentados também espaços que borram ou atritam estéticas circunscritas aos espaços de enunciação da arte.

Estéticas do aborto é uma pesquisa em processo de manifestações e expressões estéticas que relatam experiências de aborto e demandam sua legalização, analisando a violência heteropatriarcal em relação aos direitos reprodutivos como um todo (no fluxo consciente/inconsciente), e a transversalidade dessa demanda entre os movimentos feministas. Estéticas do aborto é, inevitavelmente, também um dispositivo de escuta. É crucial para essa pesquisa entender de que forma as novas constituições políticas e o trabalho turbilhonar dos signos no movimento feminista pró-legalização abarcam a estatística que marca o aborto: mães (2/3 dos casos), mulheres indígenas e mulheres negras são as que mais abortam no Brasil. Portanto é pertinente perguntar a partir de que corpos vemos a luta contra a criminalização e pró-legalização, e analisar se as expressões estéticas das lutas pró-aborto estão dando conta (também) de representar essas vidas, algo que não darei conta neste texto.

A luta contra a criminalização tem surgido com mais força em meio às mobilizações e movimentos feministas nos últimos dez anos na América Latina (escopo que consigo tentar dar conta com esse texto). A luta pela descriminalização é também a luta por direitos reprodutivos, uma questão de saúde pública. A aparição do verde como cor significativa dessa luta acontece em 2003, no Encuentro Nacional de Mujeres en Rosario (Argentina), segundo a pesquisadora Carolina Muzi (2019). Neste momento a cor lilás já marcava o movimento feminista internacional, mas a luta contra a criminalização ainda não tinha uma identidade específica. O verde se tornará alguns anos depois o lenço “verde-aborto” (em 2017), aprendendo da luta das Mães e Avós da Praça de Maio, que desde 1977 reclamam a desaparição de seus filhos (e netos) em meio à ditadura da Argentina. Elas tem o lenço branco como signo mais unitário da sua luta. “Somos madres de 30.000 (desaparecidos)”, elas dizem. O lenço branco vem do “pañal”, literalmente fralda em castelhano, que passa a ocupar as cabeças, primeiro com o bordado do nome dos filhos desaparecidos, a data, e sua ocupação. Ana Longoni escreve: “E é, como a fralda, recipiente de fluidos corporais íntimos, que se deseja conter, esconder // revisar ou esconder (lágrimas, suor e muco)”. O lenço branco, como marca filogenética, invoca os filhos arrancados pelo estado. Por outro lado, o movimento conservador demanda que deve haver filhos que sejam forçados a nascer. A “socialização da maternidade” nas ruas de trinta anos atrás não é, contudo, para as Madres e Abuelas, a maternidade compulsória, é a socialização sobre a condição colocada pelo opressor – como aquele que impõe o direito de quem pode morrer e quem pode viver. O que deve estar em jogo, antes, é o direito a decidir.

(texto completo Esteticas do aborto_bienal 3_2020)

Feminismos Bastardos. Feminismos Tardios

Feminismos Bastardos. Feminismos Tardio. Abortar o Estado heteropatriarcal.

Eu sou a puta que pariu.

Eu sou a puta aborteira que pariu e que sabe muito bem cuidar, e também negar cuidado.

Eu sou a puta que pariu corpos livres.

E como aprendi com Ni Una Menos da Argentina. Eles são os filhos doentes do patriarcado. Mal paridos pelo patriarcado.

Imagine que este texto seja uma colagem.

De muitas vozes e muitas vidas. Algumas subsumidas, algumas achatadas. Algumas que se associam a outras que se pronunciam. Este texto é uma colagem. Aliás, leia esse texto com os contratempos e os infratempos e as síncopes dos tempos de um processo não linear, caótico e assustador da instituição da merda patriarcal. Heterocapitalista, machista, racista e misógina. Ou, em vez de merda, podemos dizer instituição do ‘pão com leite condensado’ heteropatriarcal. Afinal, a mais recente instituição assim o é também. A nova versão de ‘pão com leite condensado’ (pra quem não sabe, um bando de homens se masturbando ao redor de um punhado de pães…) segue o golpe que retirou Dilma do poder, e segue o golpe a cada dia.

Esse texto se escreve com os tempos de uma maternidade, de alguns abortos, e de estupros, estupros coletivos inclusive, de feminicídios e de apologias à violência de inúmeras formas, e de violência real, e de… muitos protestos, tuítes, hashtags, tomadas das ruas, rituais afro-ameríndios, peitos de fora… choros, novos enunciados. Uma eleição. E um golpe, já mencionado. E ah! Uma prisão. Exemplar. Histórica. Ideológica. Polícia política. #Elenão #Elesnunca. O tempo da escrita é um tempo que pode coincidir com o seu. Tempos que podem causar (n)uma mulher. E uma mulher que lê outras mulheres. Mulheres puta, puta-mulheres. E que conversa com elas partejando transfeminismos. Partejando feminismos transversais. Texto que vem querendo arrebentar a (aparente) indeterminação e a sexualidade imposta a um feminismo. Feminismo(s) que tem que ser, antes, pelo contrário, não branco, não classista, não heterossexual. Texto de mulheres-trans e transvestigêneres (como diz Indianare Siqueira), que amamentam suas filhas, que acolhem suas companheiras, e que abortam com elas. Abortam também o estado em seu corpo. De seu corpo. Abortam para parir estados pretos. Novas sementes, sementes de Marielle.

Imagine que há homens ao redor. Claro. Você mesmo leitor talvez seja homem. Evidente que há homens ao redor. E eles estão representados, de novo, lá no lugar que nos é tomado, de novo, como violação da realidade e da política mesma, e, sobretudo, como reafirmação dessa distância, dessa alienação. Eles tornam-se representantes. Mas do quê? Política, como eles reiteram, não é lugar para mulheres. Nem para negras, nem para pobres. É a partir do governo desses homens – e da impossibilidade que habitemos com eles espaços de representatividade, e espaços comuns, que esse texto é escrito.

Em 2018, nas campanhas para as candidaturas políticas, o corpo do outro se tornou o corpo do diálogo impossível onde morriam meu afeto e mesmo minha capacidade de escuta (aliás, o que é a escuta no sistema do não diálogo?). Antes de reforçar o outro como já intocável, antes de querer endereçar aquele que já se cristalizou naquela forma, que é o corpo daquele que se constitui ao modo semiotizado pelo conservadorismo fascistoide (e há mesmo fascistas autointitulados!), eu queria poder falar a partir de modos em passagem, de modulações, de alguma coisa que se mistura, e se arranca, para produzir a si, fora de certas capturas.(…)

(texto completo aqui feminismos bastardos-c ribas_def)

Cartografias esquizoanalíticas e Teatro do Oprimido: algumas passagens

Resumo

Em minha tese Processos de Pesquisa, Produção de Conhecimento, e Criatividade Processual: Cartografia Esquizoanalítica no Brasil parto do pressuposto de que a partir de uma interseção entre processos estéticos, a clínica e a política podem ser produzidos efeitos transformativos em práticas de saúde mental e criação coletiva. Seguindo a perspectiva das práticas esquizoanalíticas, produzo uma genealogia destas práticas no Brasil de maneira a explorar a articulação entre pesquisa e produção do conhecimento em processos estéticos tendo a “criatividade processual” (Guattari) como elemento central de estudo. O teatro ou “dispositivos teatrais” (Pelbart, 2013) são abordados como métodos possíveis para desprogramar bloqueios subjetivos no que tange à capacidade criativa e relacional, em busca de encontrar novos modos expressivos. Percebo como o trabalho de improvisação e dinamização a partir de dispositivos teatrais tais como o Teatro do Oprimido trabalha subjetivações processuais e processos de significação abertos, procurando compreender de que maneira o TO produz efeitos similares a uma esquizoanálise. Parto do pressuposto de que o potencial criativo e inventivo das subjetividades contemporâneas está condicionado a diversas capturas, resultando em uma série de bloqueios e ou numa sensação de artificialização da experimentação estética. Este diagnóstico se articula a outro diagnóstico: em como a saúde mental se torna absolutamente frágil no contexto do capitalismo financeiro, e como é necessário politizar o cuidado e a criação, na emergência de novos modos instituintes, de novas singularidades e nas lutas minoritárias. Como disse Augusto Boal, a “catarse dos blocos opressores” (Rainbow of Desires, 1998, p. 72-73). Observo como o teatro pensado e praticado como “dispositivo teatral” potencializa um espaço plástico e estético como espaço de elaboração de subjetividades, de emoções, de bloqueios, de possíveis, em processos cartográficos (de acompanhamento).

Artigo

Em minha tese, defendida recentemente no programa de Artes da Goldsmiths College – University of London, Processos de Pesquisa, Produção de Conhecimento, e Criatividade Processual: Cartografia Esquizoanalítica no Brasil1 parto do pressuposto de que a partir de uma interseção entre processos estéticos, a clínica e a política podem ser produzidos efeitos transformativos em práticas de saúde mental e criação coletiva. Em minha tese, seguindo a perspectiva das cartografias esquizoanalíticas (sobre as quais falarei mais adiante), produzo uma genealogia destas práticas no Brasil de maneira a explorar a articulação entre pesquisa e produção do conhecimento em processos estéticos tendo a “criatividade processual” (Guattari, 1992) como elemento central de estudo. O teatro ou “dispositivos teatrais” (Pelbart, 2013) são abordados como métodos possíveis para desprogramar bloqueios subjetivos no que tange a capacidade criativa e relacional, em busca de encontrar novos modos expressivos. Procuro salientar como o trabalho de improvisação e dinamização (Boal, 1992, 1998) a partir de dispositivos teatrais trabalha subjetivações parciais, processuais e processos de significação abertos em uma proliferação de sentidos e semióticas – por isso a importância das noções de variabilidade e transformação presentes tanto em Augusto Boal, a partir do Teatro do Oprimido, assim como na filosofia da diferença e nas cartografias esquizoanalíticas.

Dentre os quatro estudos de caso de minha tese um deles é o Teatro do Oprimido. Os outros são o Teatro Oficina, o Esquizodrama e a Companhia Teatral Ueinzz. Esta última foi criada em um hospital dia para usuários de saúde mental em São Paulo, em 1998. Na pesquisa do doutoramento, ao colocar em relação cada um dos quatro estudos de caso com uma prática esquizoanalítica não pretendi achatar as características de cada uma das quatro práticas de teatro e drama colocando-as o vocabulário da esquizoanálise, mas, ao contrário, olhar para suas características específicas, seus métodos, seus conceitos, relacioná-las e complementá-las com o que a esquizoanálise quer potencializar: a necessidade de operar de maneira desbloqueante naquilo que pode estar sendo cristalizado ou tornando imóveis corpos, modos, instituições e mais. A esquizoanálise como falarei mais adiante quer tornar possível a reinvenção dessas relações, a atenção aos fluxos do desejo, a possibilidade de articular ficcionalidade, artificialidade e realidade; e, a partir disso, provocar uma intervenção no real, de maneira que se possa falar na transformação subjetiva e política respeitando a vida, as dinâmicas do vivo. Em minha pesquisa de doutorado eu queria compreender de que forma dispositivos teatrais e o trabalho em grupos e de companhias de teatro hoje, com o desenvolvimento de diferentes estratégias, pela exploração das variações infinitas do corpo, a improvisação e a sobreposição de cenas, contextos, histórias, narrativas, produz efeitos intensos e libertadores, como disse Augusto Boal, a “catarse dos blocos opressores” (Boal, 1998, p. 72-73).

Nesse artigo faço um recorte de minha pesquisa e relaciono a dinamização e a transformação conceituada por Augusto Boal no Teatro do Oprimido ao trabalho da Companhia Teatral Ueinzz, sem detalhar exaustivamente métodos do Teatro do Oprimido. Vale ressaltar que em minha pesquisa o teatro é pensado e praticado antes como “dispositivo teatral”, conceito que não foi unicamente definido por Peter Pál Pelbart (2013), mas é a partir dele que o utilizo. A partir da definição de Pelbart, percebo que se trata da criação de um dispositivos em busca de potencializar um espaço plástico e estético como espaço de elaboração de subjetividades, de emoções, de bloqueios, de possíveis. Pelbart (2013) conta que com o teatro ativado por Ueinzz, com esse dispositivo teatral, ou parateatral, o que está em jogo é a subjetividade não racionalizada dos atores. O que está sendo levado ao palco ou performado são maneiras de perceber, de sentir, de vestir-se, de posicionar-se, mover-se, falar, pensar, fazer perguntas, também por escapar do olhar dos outros, e do gozo dos outros (p. 148). Pelbart ressalta que esse dispositivo é hesitante e sempre indeciso, inconclusivo, sem apresentar promessas. Quer reverter Poder sobre a vida em poder da vida (p. 148). 2 Esse dispotitivo não se limita ao que ele tem de efeito estético, por isso Pelbart reforça que ele varre os clichés da loucura ou da arte mesmo, ou mesmo das relações, fazendo emergir vetores diferentes, ainda desconhecidos (p. 148).

(…)

1 Tese defendida em 19 de Dezembro de 2016. Supervisão de Susan Kelly. Bolsa Capes Doutorado Pleno (2012-2016). Base de dados da Goldsmiths, versão digital em http://tinyurl.com/yba7496x

2 Todas as referências a este livro de Pelbart (2013) foram traduzidas por mim. Grifo do autor.

 

Para ler o texto completo em PDF clique [aqui]

Publicado nos ANAIS do 5o. JITOU – Jornadas Internacionais do Teatro do Oprimido e Universidade. UNIRIO – Rio de Janeiro, 2017.

Chewing gum short novel 

Particles of my body mix up with the last chewing gum I have recovered from the bottom of the pocket while I think that maybe we could have casual sex as if we were teenager neighbours and later on after years we could look at each other and say we could get married.

Particles of my chewing gum are defeating me but not so much if I get into a self vanishing mode that wants to melt with what is around me being not afraid of losing consistency but eager to experiment other ones. Such as having quick and lavish sex with my neighbour.

Marriage is a word that suggests many semiotisations. Proposing marriage as someone who chews up a chewing gum and is not afraid of losing consistency seems fine. A testing of sense, taste, tender, tonus, intensity, resistance and sweat also do come with.

Neighbour? Is a chance location. Or location by chance. For if being your neighbour I could have had the chance of teasing you since much earlier in life. Luckily another type of territory brought us together. Drawing from this sort of particles and consistencies to drive around between bodies spaces desire libido encounter and adults semiotisations, such as marriage, better saying, tasting it all from the disposability of a chewing gum must, still, be fine.

(End of the novel.)

Redwood

Becoming dog of love
Becoming rabbit of sex
Becoming fox
Becoming lizard (licking licking)
Becoming monkey (screaming screaming!)
Becoming cat closing eyes
The becoming cat warm in each other
The becoming sensitive to your touch
The becoming jelly down in the
Vagina becoming pussy
Becoming water
Becoming lake of
The dog
The rabbit
The fox
The cat
The wolf
Wolf appeared (in a becoming redwood)
(Red hood can be you)
After the Loner’s forest
And the becoming wild of two dogs
She sees coming up a Bear with a broken paw
Somebody says
– Heart, woof-woof!
The Bear (female) insists:
– Paw, woof.
Dogs becoming two under the red hood
Neighboring a confusing line, a smoky lake
Opaque water
Forest around
Whatever rises – arouses – are trees
Whatever spreads, spreads
Why not to become, a red lake
A red kite
And after a flight
Alight by a branch
Look around, spy Wolves Bears Rabbits Foxes
Some wild
Some becoming.

Complexidade, Cartografia de

{resumo}

A noção de complexidade emerge no trabalho de Felix Guattari relacionada à sua produção de cartografias esquizoanalíticas (GUATTARI, 2013). A complexidade como conceito pode ser pensada da mesma maneira que as cartografias esquizoanalíticas, ambos conceitos são gerativos e servem não apenas para entender, mapear e analisar mas também para incitar, inventar, criar, modular processos. O conceito de complexidade, junto com a análise de Guattari de modos de subjetivação no capitalismo contemporâneo é muito útil para entender políticas de subjetivação (ROLNIK, 2010) implicadas em modos de produção contemporâneos, seja no campo das artes, da clínica, dos movimentos sociais e outros. Neste artigo eu discuto o trabalho de coletivos, grupos, projetos de pesquisa que têm usado a cartografia de complexidade para trabalhar processos na tensão micro-macropolítica. Eu argumento neste artigo como processos cartográficos são constitutivos dos cartógrafos-pesquisadores eles mesmos, interferindo portanto na dicotomia que separa pesquisador do objeto de pesquisa. A cartografia opera como ferramenta militante e micropolítica, realizando a análise dos fluxos do poder e do capital, ao mesmo tempo em que atua como ferramenta constitutiva de processos de subjetivação, em seus processos de singularização na resistência à diversas opressões.

{da introdução}

Ressalva

A cartografia de complexidade quando aplicada na composição de territórios, na apresentação de mapeamentos, na criação de planos diversos, na criação de novos signos que desviam das significações dominantes é também uma destruição. Quando dizemos cartografia funcionando como ferramenta de composição de lutas de resistência, devemos considerar também a função destruidora das cartografias. A “cognição criativa” (KASTRUP, 2008) trabalhada a partir dos métodos cartográficos não é, portanto, meramente acumulativa. Ela opera por meio de processos e modos de semiotização que além de seleção, edição, desenho, também realiza cortes, apagamentos, destruições.

Complexidade como um conceito

De que maneira a cartografia trabalha processos de singularização ao mesmo tempo em que realiza uma análise do sistema econômico e político que é necessário enfrentar? Neste texto investigo a noção de complexidade como conceito acessório para produzir e analisar processos e projetos que desenvolvem mapas e cartografias, sejam eles mais dedicados ao mapeamento dos fluxos do capital ou à emergência de resistências aos efeitos desses fluxos. Investigo então o trabalho da complexidade como conceito que corrobora nas políticas de subjetivação que os métodos cartográficos mobilizam. O campo teórico e prático são as cartografias esquizoanalíticas desenvolvidas por Felix Guattari1 como processos cartográficos operam processos de singularização ao mesmo tempo em que produzem uma análise dos contextos econômicos e políticos nos regimes de austeridade do capitalismo contemporâneo, aos quais é necessário resistir. São matéria deste texto o capitalismo contemporâneo, as lutas de resistência às subjetivações capitalísticas e as políticas de subjetivação e singularização das lutas elas mesmas.

A noção de complexidade emerge no trabalho de Felix Guattari relacionada à sua produção de cartografias esquizoanalíticas (GUATTARI, 2013). O conceito de complexidade pode ser pensado da mesma maneira que as cartografias esquizoanalíticas, ambos conceitos são gerativos e servem não apenas para entender, mapear e analisar mas também para incitar (unleash, inventar, criar, modular processos. A complexidade surge com as bifurcações incitadas pelos processos clínicos no seu encontro com a micropolítica, e faz parte da heterogênese ontológica de Guattari. Guattari define em Caosmose (1992) que “a esquizoanálise, mais do que ir no sentido de modelizações reducionistas que simplificam o complexo, trabalhará para sua complexificação”, o que ele chama de um “enriquecimento processual”. A esquizoanálise e a cartografia trabalham então de maneira a corroborar a “tomada de consistência de linhas virtuais de bifurcação e de diferenciação” (GUATTARI, 1992, pp. 90-91) em processos de subjetivação. Essa proposta diagramática (e não programática) de Guattari não quer levar sujeitos concretos a bloqueios reais, expondo suas vidas a um caos que os imobiliza, mas quer incitar “caosmoses”. Aquilo que nos imobiliza, por sua vez, são os processos de subjetivação capitalísticos, que exaurem nossa potência de desejo, pré-significando nossos fluxos produtivos dentro da normatividade do capital (subsunção da arte, subsunção da política, subsunção da clínica, subsunção da cartografia – tudo a serviço de uma reprodução social colada ao significante capitalístico). (…)

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Publicado originalmente na Revista Indisciplinar (UFMG), 2015

duelos sobre a maternidade

sei não essa coisa da #maternidade ser tão polêmica é porque nos mostra simplesmente que todos saímos de uma xoxota arregaçada (ou de uma barriga cortada), depois de meses de um estado nada racional (que se extende à infância claro) em que tudo o que tínhamos era água pura, calor e o ritmo do batimento cardíaco, dos gases, dos movimentos dos corpos de nossas mães e daqueles que as rodeavam. o contraste do mundo da barriga com o mundo ‘de fora’ mostra que somos nem tanto humanos, mas que somos muito mais animais do que gostaríamos, e por tanto controlamos tanto, ou tentamos controlar isso que é assim mistério de multiplicação da vida. quanta prepotência há no duelo sobre a maternidade. é o seguimento do heterocapitalismo, do qual muitas mulheres também se iludem, de uma incompreensão em larga escala de que algo se perdeu. não falo de uma maternidade arcaica, nem só de mulheres, falo de maternagens, de jeitos de cuidar, e de sair desse controle absurdo sobre aquilo que expressamos e sentimos com o duelo que vivemos entre reprodução social e cuidado reprodutivo. é complicado porque nesse tema se separa muito a percepção da mãe-nova-mulher (na onda das novas maternidades super empoderadas) e a criança (e seus mundos sensíveis em construção, e por outro lado as infâncias idealizadas, etc etc). quem sabe uma pequena viagem à nossa própria vida quando embarrigados poderia mudar um pouco a perspectiva.