Diagramas especulativos a partir da análise institucional, ‘desejos de grupo’ no Brasil em crise

Publicado na Revista Modos, no Dossiê – Novas, antigas, outras institucionalidades, organizado por Bruna Wulff Fetter e Mônica Hoff Gonçalves.

Maio de 2022

Link para o artigo completo, no site da revista https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/mod/article/view/8668501

Resumo: A história da análise institucional nos mostra o potencial dessa ferramenta: transformar, destruir e, se necessário, reconstruir instituições; mas também nutrir processos grupais e fazer pensar agenciamentos coletivos. Neste artigo partilho uma experiência em análise institucional e artes visuais tendo o desenho e o conceito de diagrama como ferramentas de uma produção coletiva. Desenvolvo como a análise institucional e o desenho ativam – juntos – um potencial criativo e especulativo, composição a partir da qual surgem impressões, traços, gestos, ‘filigranas’, ou ações multiplicadoras de um procedimento de análise que projetam, eventualmente, diagramas futuros.

Abstract: The history of institutional analysis shows us the potential of such tool: to transform, to destroy and, if necessary, rebuild institutions; but also to nurture group processes and to make think collective assemblages. In this writing I share an experience in institutional analysis and visual arts, having the making of drawing and the concept of diagram as tools for a collective production. I develop how institutional analysis and drawing activate together a creative and speculative potential, a composition from which emerge impressions, traces, gestures, ‘filigree’, or multiplying actions of an analysis procedure, projecting, eventually, future diagrams.

Palavras-chave: análise institucional, grupo, estético-política, diagrama, desenho

Keywords: institutional analysis, group, aesthetico-political, diagram, drawing

Uma ferramenta de análise, mas também de produção. Um coletivo de psiquiatras, trabalhadores da saúde mental, de pacientes, de pensadores, de professoras, de articulações institucionais, de desbordamentos. Um corpo de práticas desenhando trajetórias transversais, nas quais se pode descortinar aquilo que resiste ser descortinado.

A análise institucional é contemporânea a outras práticas análogas: uma mais difundida nos saberes e práticas artísticas: a crítica institucional; e outra mais difundida na sociologia, na história e na antropologia: as teorias ‘de’ ou descoloniais. Crítica e análise institucional têm, em parte, uma genealogia comum – a teoria crítica, e procuram provocar efeitos comuns: a análise das formações de poder, do que oprime, e a busca pela transformação das instituições derruindo aquilo que se cristaliza, que se institui como imutável. Então, a análise institucional, assim como a crítica e a de(s)colonialidade, procuram fomentar as capacidades inventivas da produção social a partir dos diversos modos de existência. Além disso, a análise elabora a centralidade dos processos criativos – e da estética – na sua forma de produção.

Repensar socialmente a prática era um movimento contra a dominância da técnica, no caso das práticas psiquiátricas e clínicas, e contra a direção dada pelo estado (e pelo poder centralizado) a essas práticas – deveras sistemática, familialista, generalista, alienante. Repensar socialmente a prática dependia de articulações coletivas, vivenciais, cotidianas, políticas. E é isso que faz dessa ferramenta algo tão interessante e tão movente: as conexões afetivas e a abertura à produção do desejo. A produção de desejo só é possível mediante uma articulação especulativa que seja capaz de acolher o potencial inventivo de uma coletividade, e que responda às suas necessidades.

(…)

Desenhos das conversas do Mapas para Análise Institucional. Cristina Ribas e participantes. 2017. Todos em 42 x 32 cm, papel vegetal, caneta hidrográfica.

Complexidade, Cartografia de

{resumo}

A noção de complexidade emerge no trabalho de Felix Guattari relacionada à sua produção de cartografias esquizoanalíticas (GUATTARI, 2013). A complexidade como conceito pode ser pensada da mesma maneira que as cartografias esquizoanalíticas, ambos conceitos são gerativos e servem não apenas para entender, mapear e analisar mas também para incitar, inventar, criar, modular processos. O conceito de complexidade, junto com a análise de Guattari de modos de subjetivação no capitalismo contemporâneo é muito útil para entender políticas de subjetivação (ROLNIK, 2010) implicadas em modos de produção contemporâneos, seja no campo das artes, da clínica, dos movimentos sociais e outros. Neste artigo eu discuto o trabalho de coletivos, grupos, projetos de pesquisa que têm usado a cartografia de complexidade para trabalhar processos na tensão micro-macropolítica. Eu argumento neste artigo como processos cartográficos são constitutivos dos cartógrafos-pesquisadores eles mesmos, interferindo portanto na dicotomia que separa pesquisador do objeto de pesquisa. A cartografia opera como ferramenta militante e micropolítica, realizando a análise dos fluxos do poder e do capital, ao mesmo tempo em que atua como ferramenta constitutiva de processos de subjetivação, em seus processos de singularização na resistência à diversas opressões.

{da introdução}

Ressalva

A cartografia de complexidade quando aplicada na composição de territórios, na apresentação de mapeamentos, na criação de planos diversos, na criação de novos signos que desviam das significações dominantes é também uma destruição. Quando dizemos cartografia funcionando como ferramenta de composição de lutas de resistência, devemos considerar também a função destruidora das cartografias. A “cognição criativa” (KASTRUP, 2008) trabalhada a partir dos métodos cartográficos não é, portanto, meramente acumulativa. Ela opera por meio de processos e modos de semiotização que além de seleção, edição, desenho, também realiza cortes, apagamentos, destruições.

Complexidade como um conceito

De que maneira a cartografia trabalha processos de singularização ao mesmo tempo em que realiza uma análise do sistema econômico e político que é necessário enfrentar? Neste texto investigo a noção de complexidade como conceito acessório para produzir e analisar processos e projetos que desenvolvem mapas e cartografias, sejam eles mais dedicados ao mapeamento dos fluxos do capital ou à emergência de resistências aos efeitos desses fluxos. Investigo então o trabalho da complexidade como conceito que corrobora nas políticas de subjetivação que os métodos cartográficos mobilizam. O campo teórico e prático são as cartografias esquizoanalíticas desenvolvidas por Felix Guattari1 como processos cartográficos operam processos de singularização ao mesmo tempo em que produzem uma análise dos contextos econômicos e políticos nos regimes de austeridade do capitalismo contemporâneo, aos quais é necessário resistir. São matéria deste texto o capitalismo contemporâneo, as lutas de resistência às subjetivações capitalísticas e as políticas de subjetivação e singularização das lutas elas mesmas.

A noção de complexidade emerge no trabalho de Felix Guattari relacionada à sua produção de cartografias esquizoanalíticas (GUATTARI, 2013). O conceito de complexidade pode ser pensado da mesma maneira que as cartografias esquizoanalíticas, ambos conceitos são gerativos e servem não apenas para entender, mapear e analisar mas também para incitar (unleash, inventar, criar, modular processos. A complexidade surge com as bifurcações incitadas pelos processos clínicos no seu encontro com a micropolítica, e faz parte da heterogênese ontológica de Guattari. Guattari define em Caosmose (1992) que “a esquizoanálise, mais do que ir no sentido de modelizações reducionistas que simplificam o complexo, trabalhará para sua complexificação”, o que ele chama de um “enriquecimento processual”. A esquizoanálise e a cartografia trabalham então de maneira a corroborar a “tomada de consistência de linhas virtuais de bifurcação e de diferenciação” (GUATTARI, 1992, pp. 90-91) em processos de subjetivação. Essa proposta diagramática (e não programática) de Guattari não quer levar sujeitos concretos a bloqueios reais, expondo suas vidas a um caos que os imobiliza, mas quer incitar “caosmoses”. Aquilo que nos imobiliza, por sua vez, são os processos de subjetivação capitalísticos, que exaurem nossa potência de desejo, pré-significando nossos fluxos produtivos dentro da normatividade do capital (subsunção da arte, subsunção da política, subsunção da clínica, subsunção da cartografia – tudo a serviço de uma reprodução social colada ao significante capitalístico). (…)

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Publicado originalmente na Revista Indisciplinar (UFMG), 2015