Feminismos Bastardos. Feminismos Tardios

Feminismos Bastardos. Feminismos Tardio. Abortar o Estado heteropatriarcal.

Eu sou a puta que pariu.

Eu sou a puta aborteira que pariu e que sabe muito bem cuidar, e também negar cuidado.

Eu sou a puta que pariu corpos livres.

E como aprendi com Ni Una Menos da Argentina. Eles são os filhos doentes do patriarcado. Mal paridos pelo patriarcado.

Imagine que este texto seja uma colagem.

De muitas vozes e muitas vidas. Algumas subsumidas, algumas achatadas. Algumas que se associam a outras que se pronunciam. Este texto é uma colagem. Aliás, leia esse texto com os contratempos e os infratempos e as síncopes dos tempos de um processo não linear, caótico e assustador da instituição da merda patriarcal. Heterocapitalista, machista, racista e misógina. Ou, em vez de merda, podemos dizer instituição do ‘pão com leite condensado’ heteropatriarcal. Afinal, a mais recente instituição assim o é também. A nova versão de ‘pão com leite condensado’ (pra quem não sabe, um bando de homens se masturbando ao redor de um punhado de pães…) segue o golpe que retirou Dilma do poder, e segue o golpe a cada dia.

Esse texto se escreve com os tempos de uma maternidade, de alguns abortos, e de estupros, estupros coletivos inclusive, de feminicídios e de apologias à violência de inúmeras formas, e de violência real, e de… muitos protestos, tuítes, hashtags, tomadas das ruas, rituais afro-ameríndios, peitos de fora… choros, novos enunciados. Uma eleição. E um golpe, já mencionado. E ah! Uma prisão. Exemplar. Histórica. Ideológica. Polícia política. #Elenão #Elesnunca. O tempo da escrita é um tempo que pode coincidir com o seu. Tempos que podem causar (n)uma mulher. E uma mulher que lê outras mulheres. Mulheres puta, puta-mulheres. E que conversa com elas partejando transfeminismos. Partejando feminismos transversais. Texto que vem querendo arrebentar a (aparente) indeterminação e a sexualidade imposta a um feminismo. Feminismo(s) que tem que ser, antes, pelo contrário, não branco, não classista, não heterossexual. Texto de mulheres-trans e transvestigêneres (como diz Indianare Siqueira), que amamentam suas filhas, que acolhem suas companheiras, e que abortam com elas. Abortam também o estado em seu corpo. De seu corpo. Abortam para parir estados pretos. Novas sementes, sementes de Marielle.

Imagine que há homens ao redor. Claro. Você mesmo leitor talvez seja homem. Evidente que há homens ao redor. E eles estão representados, de novo, lá no lugar que nos é tomado, de novo, como violação da realidade e da política mesma, e, sobretudo, como reafirmação dessa distância, dessa alienação. Eles tornam-se representantes. Mas do quê? Política, como eles reiteram, não é lugar para mulheres. Nem para negras, nem para pobres. É a partir do governo desses homens – e da impossibilidade que habitemos com eles espaços de representatividade, e espaços comuns, que esse texto é escrito.

Em 2018, nas campanhas para as candidaturas políticas, o corpo do outro se tornou o corpo do diálogo impossível onde morriam meu afeto e mesmo minha capacidade de escuta (aliás, o que é a escuta no sistema do não diálogo?). Antes de reforçar o outro como já intocável, antes de querer endereçar aquele que já se cristalizou naquela forma, que é o corpo daquele que se constitui ao modo semiotizado pelo conservadorismo fascistoide (e há mesmo fascistas autointitulados!), eu queria poder falar a partir de modos em passagem, de modulações, de alguma coisa que se mistura, e se arranca, para produzir a si, fora de certas capturas.(…)

(texto completo aqui feminismos bastardos-c ribas_def)

mundos inacabados (1)

a língua é uma coisa impressionante. li há pouco, e imediatamente absorvi o vocábulo ‘bostejar’ (ie naquela tragicômica crônica da mentalidade crasse média da barra – ‘há grupos mídias sociais etc para bostejarem’). a liberdade dentro de uma coisa entendida como língua é quase territorializante, não fosse a luta de classes sempre presente pra desbancar a mentalidade da classe média e abrir franca desterritorialização. ‪#‎mundosinacabados‬ ‪#‎lavaroupasuja‬ ‪#‎privilegiobranco‬

{ver https://medium.com/@dinhorio/dinho-o-preconceituoso-67ff85904f9a#.a96rv9w21 }

Três chamadas para uma complexidade

(abaixo estão trechos do texto, para fazer download da versão completa clique aqui)

Imaginar
Caminho pensando no tempo da vida neste lugar/espaço descendo e subindo as escadas entre os andares do curvilíneo bloco, onde antes se podia ter um escape para fora e agora tijolos de seis furos cobrem a vista por baixo do cimento espesso. O interstício vertical que prolonga a observação do percurso meio que perde a função na origem reificada. Como eu introduzo uma conversa por sobre essas camadas sujas da escadaria que leva do vão livre aos andares superiores? São os moradores que sobem e descem com mais intimidade do que eu, mesmo que eu tenha observado detalhadamente a espessura das linhas feitas nos idos da década de 40. Não só aquelas linhas precisas entre espaços fazendo paredes (os desenhos do arquiteto) como as rasuras que cobrem o palpável objeto de duplo apavoramento e maravilhamento refeito Pedregulho. Realidade visível e realidade projetada.

(…)
Coletivar
No deslinde do tempo do habitar um apartamento no prédio do bloco A, o Minhocão, o projeto de residência artística se torna reconhecer um movimento de memoração do projeto moderno por diversos vetores (privado, estatal, autônomo) e avaliar desde nosso lugar os modos como isso pode acontecer: que é que trazemos para o presente como herança desse período? A memoração sem dúvida requer seleção e reativação de diversas verdades que tecem a trama complexa do Pedregulho. Entender que o ponto inicial é não buscarmos uma utopia congelada nem vias de reproduzi-a ao modo vanguardista, e sim os seus contratempos. Aportar o que temos como próprio, a criação, e elaborar perguntas em direção àquela coletividade e às demais em formação, observando de que forma não nos perdemos nos desvios incansáveis das formas de captura, mas encontramos o tino da colaboração: há uma comunidade no Pedregulho, a mesma que estranha a chegada dos artistas, que espera a presença do Estado ou que a desconhece, e, talvez, a mesma que se envolve.

(…)
Desejar
No final de semana de encontro com o grupo Frente 3 de Fevereiro tivemos um debate intenso sobre o que pode ser atuar no complexo, antes, artisticamente. Naquele momento o grupo promovia uma série de ações no Morro Santa Marta e realizava entrevistas com pesquisadores e ativistas de movimentos sociais abordando temas como racismo, democracia racial e exclusão. A pergunta que nos cabia como organizadoras do projeto seria: de que forma a residência artística promovia ali mesmo no Pedregulho uma ativação das questões que interessa ao grupo fomentar? Nos idos do debate percebi que informar a comunidade do Pedregulho da articulação ampla – considerando pensamento e ação era o mínimo que se deveria fazer como requisito para acontecimento da “residência”. “Informar” sem dúvida tomaria as formas de uma criação artística, que tivesse inteira a intenção de fazer pensar as condições de sociabilidade não só no edifício, mas na cidade do Rio de Janeiro. Por aí se descobriu o regime de controle sob o qual viviam os primeiros moradores e se pôde observar de outra forma a atualidade dos costumes no Pedregulho. A criação de um dispositivo relacional pautado em imaginação e conversa (sob o olhar inesquecido de uma câmera de vídeo, é claro), trouxe ao “Pedregulho” as estratégias de controle social em voga na cidade, tanto na cidade oficial como nas periféricas… Assim que a determinação de um pressuposto artístico não poderia existir sem a maleabilidade de uma atualização: é preciso saber onde se está e direcionar o desejo equacionado com aquelas vozes.
(…)

Leia o texto completo aqui
Texto publicado no livro-catálogo
Pedregulho: residência artística no Minhocão
Beatriz Lemos e Cristina Ribas (org.) ISBN 978-85-61659-04-2 Belo Horizonte: Instituto Cidades Criativas / ICC, 2010

Este texto foi escrito a partir do projeto Pedregulho Residência Artística