Instinto e instituição: desbordes institucionais entre a estética e a clínica

Organizadoras_
Cristina T. Ribas, Paula Cobo-Guevara e Maria Amélia Bulhões


Apresentação_

Desde a experiência da crítica institucional anglo-saxã, se criaram novos diagramas conceituais para repensar a produção (e as condições) das práticas artísticas contemporâneas, a partir das porosidades e encontros com práticas sociais e de novas concepções espaciais dos anos 60, produzindo, entre elas, um desborde disciplinar. Por sua vez, a análise institucional vai produzir experiências, saberes e práticas singulares, também desde uma perspectiva de crítica radical às instituições, neste caso, “entramadas” nas instituições psiquiátricas, escolares, universitárias, de saúde, etc; nomeando estes desbordamentos e modulações sob o conceito de “transversalidade”. De que forma estas duas trajetórias, sejam elas travessias, navegações ou rastejos de pensamento poderiam abrir-se em afetações (afecções) comuns, atualizando experiências, práticas e saberes? De que forma se criam ferramentas, e estratégias que nos dão acesso ao problema da produção de subjetividade e, por tanto, aos modos de existência que subvertem o regime colonial capitalista, racista, antropo-logo-falo-cêntrico?

Neste dossiê damos espaço a algumas produções artísticas, críticas, narrativas e historiográficas que vem surgindo de um caminho traçado na experimentação tênue entre “instinto e instituição”, como debateram Gilles Deleuze e Félix Guattari, e outros autores que focam no que poderíamos pensar, talvez estranhamente, por destituinte, também para pensarmos uma saúde menor, e junto a ela, uma saúde menor da arte, com a minúsculo. Atentas às novas intervenções (e invenções) institucionais que vem sendo inauguradas e instauradas e às formas de produção social situadas entre os modos da clínica e da cultura convidamos autores para fomentarem esse debate, partilhando seus referenciais e suas ferramentas conceituais, e para compartilharem suas práticas.

Procuramos com esse dossiê reunir a contribuição de pesquisadores, artistas, psicanalistas, psicólogas e psicólogos, profissionais de saúde e mais, investidos nos estudos da subjetividade e em re-situar uma ético-estético-política desses desbordes institucionais. O dossiê Instinto e instituição apresenta artigos que surgem de práticas situadas, a partir da análise institucional, da anti-psiquiatria, da saúde e da saúde mental na América Latina e alhures, de clínicas públicas de psicanálise, de práticas artísticas e clínicas, de clínicas ecosóficas, que, cada uma à sua forma, surgem de uma arte das processualidades, de focos de criatividade mutante, não cafetinada, e das formas insubordinadas, fragmentárias e ao mesmo tempo insurgentes diante dos limites institucionais e das forças normotizantes que se solidificam na atualidade, práticas portanto, decoloniais. Mais do que uma reorganização topográfica, de campos ou áreas do conhecimento, nos motivou reunir aqui produções e pesquisas que podemos agarrar pelo desborde, pela barra (como de uma saia), e, porque não, pelo meio mesmo, como acesso ao campo de forças, problemático e inventivo, dessas experiências. Trabalhamos aqui uma vontade que apreendemos da história da análise institucional no Brasil, uma vontade política de produzir novos problemas, que seja uma vontade de invenção que dê passagem a afetos-matéria, e em movimento – entre espaços, grupalidades, instituições.

O dossiê apresenta artigos e ensaios que surgem de práticas situadas, a partir da análise institucional, da anti-psiquiatria, da saúde e da saúde mental na América Latina e alhures, de clínicas públicas de psicanálise, de práticas artísticas e clínicas, de clínicas ecosóficas, que, cada uma à sua forma, surgem de uma arte das processualidades, de focos de criatividade mutante, não cafetinada, e das formas insubordinadas, fragmentárias e ao mesmo tempo insurgentes diante dos limites institucionais e das forças normotizantes que se solidificam na atualidade, demarcando que são práticas portanto, decoloniais. Mais do que uma reorganização topográfica, de campos ou áreas do conhecimento, nos motivou reunir aqui produções e pesquisas que podemos agarrar pelo desborde, pela barra (como de uma saia), e, porque não, pelo meio mesmo, como acesso ao campo de forças, problemático e inventivo, dessas experiências. Trabalhamos aqui uma vontade que apreendemos da história da análise institucional no Brasil, uma vontade política de produzir novos problemas, que seja uma vontade de invenção que dê passagem a afetos-matéria, e em movimento – entre espaços, grupalidades, instituições.

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Complexidade, Cartografia de

{resumo}

A noção de complexidade emerge no trabalho de Felix Guattari relacionada à sua produção de cartografias esquizoanalíticas (GUATTARI, 2013). A complexidade como conceito pode ser pensada da mesma maneira que as cartografias esquizoanalíticas, ambos conceitos são gerativos e servem não apenas para entender, mapear e analisar mas também para incitar, inventar, criar, modular processos. O conceito de complexidade, junto com a análise de Guattari de modos de subjetivação no capitalismo contemporâneo é muito útil para entender políticas de subjetivação (ROLNIK, 2010) implicadas em modos de produção contemporâneos, seja no campo das artes, da clínica, dos movimentos sociais e outros. Neste artigo eu discuto o trabalho de coletivos, grupos, projetos de pesquisa que têm usado a cartografia de complexidade para trabalhar processos na tensão micro-macropolítica. Eu argumento neste artigo como processos cartográficos são constitutivos dos cartógrafos-pesquisadores eles mesmos, interferindo portanto na dicotomia que separa pesquisador do objeto de pesquisa. A cartografia opera como ferramenta militante e micropolítica, realizando a análise dos fluxos do poder e do capital, ao mesmo tempo em que atua como ferramenta constitutiva de processos de subjetivação, em seus processos de singularização na resistência à diversas opressões.

{da introdução}

Ressalva

A cartografia de complexidade quando aplicada na composição de territórios, na apresentação de mapeamentos, na criação de planos diversos, na criação de novos signos que desviam das significações dominantes é também uma destruição. Quando dizemos cartografia funcionando como ferramenta de composição de lutas de resistência, devemos considerar também a função destruidora das cartografias. A “cognição criativa” (KASTRUP, 2008) trabalhada a partir dos métodos cartográficos não é, portanto, meramente acumulativa. Ela opera por meio de processos e modos de semiotização que além de seleção, edição, desenho, também realiza cortes, apagamentos, destruições.

Complexidade como um conceito

De que maneira a cartografia trabalha processos de singularização ao mesmo tempo em que realiza uma análise do sistema econômico e político que é necessário enfrentar? Neste texto investigo a noção de complexidade como conceito acessório para produzir e analisar processos e projetos que desenvolvem mapas e cartografias, sejam eles mais dedicados ao mapeamento dos fluxos do capital ou à emergência de resistências aos efeitos desses fluxos. Investigo então o trabalho da complexidade como conceito que corrobora nas políticas de subjetivação que os métodos cartográficos mobilizam. O campo teórico e prático são as cartografias esquizoanalíticas desenvolvidas por Felix Guattari1 como processos cartográficos operam processos de singularização ao mesmo tempo em que produzem uma análise dos contextos econômicos e políticos nos regimes de austeridade do capitalismo contemporâneo, aos quais é necessário resistir. São matéria deste texto o capitalismo contemporâneo, as lutas de resistência às subjetivações capitalísticas e as políticas de subjetivação e singularização das lutas elas mesmas.

A noção de complexidade emerge no trabalho de Felix Guattari relacionada à sua produção de cartografias esquizoanalíticas (GUATTARI, 2013). O conceito de complexidade pode ser pensado da mesma maneira que as cartografias esquizoanalíticas, ambos conceitos são gerativos e servem não apenas para entender, mapear e analisar mas também para incitar (unleash, inventar, criar, modular processos. A complexidade surge com as bifurcações incitadas pelos processos clínicos no seu encontro com a micropolítica, e faz parte da heterogênese ontológica de Guattari. Guattari define em Caosmose (1992) que “a esquizoanálise, mais do que ir no sentido de modelizações reducionistas que simplificam o complexo, trabalhará para sua complexificação”, o que ele chama de um “enriquecimento processual”. A esquizoanálise e a cartografia trabalham então de maneira a corroborar a “tomada de consistência de linhas virtuais de bifurcação e de diferenciação” (GUATTARI, 1992, pp. 90-91) em processos de subjetivação. Essa proposta diagramática (e não programática) de Guattari não quer levar sujeitos concretos a bloqueios reais, expondo suas vidas a um caos que os imobiliza, mas quer incitar “caosmoses”. Aquilo que nos imobiliza, por sua vez, são os processos de subjetivação capitalísticos, que exaurem nossa potência de desejo, pré-significando nossos fluxos produtivos dentro da normatividade do capital (subsunção da arte, subsunção da política, subsunção da clínica, subsunção da cartografia – tudo a serviço de uma reprodução social colada ao significante capitalístico). (…)

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Publicado originalmente na Revista Indisciplinar (UFMG), 2015

Processos de pesquisa, produção de conhecimento e criatividade processual /// sinopse

Processos de pesquisa, produção de conhecimento e criatividade processual:

Cartografias esquizoanalíticas no Brasil

A tese analisa o conceito de “cartografia esquizoanalítica” a partir do trabalho de Félix Guattari e seu desenvolvimento prático e teórico no Brasil. Práticas cartográficas vem sendo desenvolvidas extensivamente no Brasil desde os anos 1980, sobretudo a partir das teorias e práticas de Guattari e dos contextos da análise institucional francesa e psiquiatria institucional italiana. Cartografias esquizoanalíticas podem ser desenvolvidas como uma ferramenta ou como um dispositivo para analisar o agenciamento coletivo do desejo.

Cartografias mapeiam e criam: elas são realizadas por aqueles que querem produzir suas próprias vidas, ao mesmo tempo em que resistem à opressão e os diversos modos de subjetivação capitalista que levam à subsunção do desejo, do afeto e da criatividade. Em resposta a isto, essa tese traça cartografias esquizoanalíticas que desenvolvem novos processos de pesquisa e novas formas de organização, subjetivação e institucionalização no Brasil.

Explora termos centrais no trabalho de Guattari, como os conceitos de ‘transversalidade’ e ‘micropolítica’ para analisar práticas de processos de pesquisa na academia, como o grupo de pesquisa Subjetividade Contemporânea, e grupos de teatro trabalhando em transversal com saúde mental como a Companhia de Teatro Ueinzz. Analiso como esses processos trabalham através das instituições, das práticas teatrais da clínica e do corpo social. A tese analisa a relação entre ‘subjetividade processual’ e ‘criatividade processual’, propondo o ‘processual’ como a forma de acoplamento entre sujeitos, modos de expressão e instituições.

Esta tese argumenta contra noções redutivas de arte politicamente engajada que propõe oposições entre as práticas estética e política, e trabalha contra definições institucionalmente circunscritas de pesquisa baseada em prática. Ao contrário, esta tese propõe novos recortes e diferentes genealogias de práticas que transversalizam e radicalizam a produção estética, conectando tais práticas a suas bases políticas, por for a da agenda das grandes instituições culturais, dos mundos e mercados da arte. A partir da análise de práticas, esta tese argumenta que cartografias esquizoanalíticas trabalham conjuntamente a ‘criatividade processual’ e a ‘produção de subjetividade’ permitindo uma reorganização dos campos dapolítica, da estética e da produção do conhecimento.

* Tese aprovada em Dezembro de 2016 no Art Department, Goldsmiths College, University of London, UK. Bolsista Capes – Doutorado Pleno, 2012. Supervisão de Dra. Susan Kelly.

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‘ler é uma loucura’

eu nunca sorri tanta para um livro. tenho certeza que sorri não só pelo caminho todo que ele fez para chegar. pelas mãos da querida amiga Monica atravessando todo o oceano. pela pint que circulava no meu corpo. mas tambem porque ele veio acompanhado de erva, cuia, bomba, sling, outros livros sobre cartografias e presentes para a Hannah da tia Anamalia. porque o livro faz parte do mundo das coisas e das formas, ainda que tenha seu modo peculiar de operar. sorri não só porque abri o pacote no ônibus rumo ao sul, depois da conversa deliciosa com as amigas. tanta conversa inacabada! tanto desejo de seguir conversando. não só porque ele é de 1988, e a fonte e impressa fazendo um sulco no papel. não só porque ele veio de um sebo de Manaus, para uma caixa postal em Florianópolis. nunca sorri tanto para diagramas em português que eu ainda estou tentando decifrar, que me afetam, e que vão revelando encontros com esse personagem real e fictício – Félix Guattari – que é uma espécie de guia na minha tese. mas também uma espécie de caça, que eu vou perseguindo na floresta do caos. sorri muito não só porque encontrar um livro que se deseja é como uma encruzilhada, uma bifurcação, ou o fim de uma trilha numa viagem. é como sair de um certo exilio, de um certo isolamento, abrindo um espaço desejado. nunca sorri tanto para um livro, e gargalhei quando abri a capa e ali dentro encontrei o pequeno lema da livraria e sebo O Alienista de Manaus. “ler é uma loucura.”

10 06 2015