Chewing gum short novel 

Particles of my body mix up with the last chewing gum I have recovered from the bottom of the pocket while I think that maybe we could have casual sex as if we were teenager neighbours and later on after years we could look at each other and say we could get married.

Particles of my chewing gum are defeating me but not so much if I get into a self vanishing mode that wants to melt with what is around me being not afraid of losing consistency but eager to experiment other ones. Such as having quick and lavish sex with my neighbour.

Marriage is a word that suggests many semiotisations. Proposing marriage as someone who chews up a chewing gum and is not afraid of losing consistency seems fine. A testing of sense, taste, tender, tonus, intensity, resistance and sweat also do come with.

Neighbour? Is a chance location. Or location by chance. For if being your neighbour I could have had the chance of teasing you since much earlier in life. Luckily another type of territory brought us together. Drawing from this sort of particles and consistencies to drive around between bodies spaces desire libido encounter and adults semiotisations, such as marriage, better saying, tasting it all from the disposability of a chewing gum must, still, be fine.

(End of the novel.)

Redwood

Becoming dog of love
Becoming rabbit of sex
Becoming fox
Becoming lizard (licking licking)
Becoming monkey (screaming screaming!)
Becoming cat closing eyes
The becoming cat warm in each other
The becoming sensitive to your touch
The becoming jelly down in the
Vagina becoming pussy
Becoming water
Becoming lake of
The dog
The rabbit
The fox
The cat
The wolf
Wolf appeared (in a becoming redwood)
(Red hood can be you)
After the Loner’s forest
And the becoming wild of two dogs
She sees coming up a Bear with a broken paw
Somebody says
– Heart, woof-woof!
The Bear (female) insists:
– Paw, woof.
Dogs becoming two under the red hood
Neighboring a confusing line, a smoky lake
Opaque water
Forest around
Whatever rises – arouses – are trees
Whatever spreads, spreads
Why not to become, a red lake
A red kite
And after a flight
Alight by a branch
Look around, spy Wolves Bears Rabbits Foxes
Some wild
Some becoming.

Complexidade, Cartografia de

{resumo}

A noção de complexidade emerge no trabalho de Felix Guattari relacionada à sua produção de cartografias esquizoanalíticas (GUATTARI, 2013). A complexidade como conceito pode ser pensada da mesma maneira que as cartografias esquizoanalíticas, ambos conceitos são gerativos e servem não apenas para entender, mapear e analisar mas também para incitar, inventar, criar, modular processos. O conceito de complexidade, junto com a análise de Guattari de modos de subjetivação no capitalismo contemporâneo é muito útil para entender políticas de subjetivação (ROLNIK, 2010) implicadas em modos de produção contemporâneos, seja no campo das artes, da clínica, dos movimentos sociais e outros. Neste artigo eu discuto o trabalho de coletivos, grupos, projetos de pesquisa que têm usado a cartografia de complexidade para trabalhar processos na tensão micro-macropolítica. Eu argumento neste artigo como processos cartográficos são constitutivos dos cartógrafos-pesquisadores eles mesmos, interferindo portanto na dicotomia que separa pesquisador do objeto de pesquisa. A cartografia opera como ferramenta militante e micropolítica, realizando a análise dos fluxos do poder e do capital, ao mesmo tempo em que atua como ferramenta constitutiva de processos de subjetivação, em seus processos de singularização na resistência à diversas opressões.

{da introdução}

Ressalva

A cartografia de complexidade quando aplicada na composição de territórios, na apresentação de mapeamentos, na criação de planos diversos, na criação de novos signos que desviam das significações dominantes é também uma destruição. Quando dizemos cartografia funcionando como ferramenta de composição de lutas de resistência, devemos considerar também a função destruidora das cartografias. A “cognição criativa” (KASTRUP, 2008) trabalhada a partir dos métodos cartográficos não é, portanto, meramente acumulativa. Ela opera por meio de processos e modos de semiotização que além de seleção, edição, desenho, também realiza cortes, apagamentos, destruições.

Complexidade como um conceito

De que maneira a cartografia trabalha processos de singularização ao mesmo tempo em que realiza uma análise do sistema econômico e político que é necessário enfrentar? Neste texto investigo a noção de complexidade como conceito acessório para produzir e analisar processos e projetos que desenvolvem mapas e cartografias, sejam eles mais dedicados ao mapeamento dos fluxos do capital ou à emergência de resistências aos efeitos desses fluxos. Investigo então o trabalho da complexidade como conceito que corrobora nas políticas de subjetivação que os métodos cartográficos mobilizam. O campo teórico e prático são as cartografias esquizoanalíticas desenvolvidas por Felix Guattari1 como processos cartográficos operam processos de singularização ao mesmo tempo em que produzem uma análise dos contextos econômicos e políticos nos regimes de austeridade do capitalismo contemporâneo, aos quais é necessário resistir. São matéria deste texto o capitalismo contemporâneo, as lutas de resistência às subjetivações capitalísticas e as políticas de subjetivação e singularização das lutas elas mesmas.

A noção de complexidade emerge no trabalho de Felix Guattari relacionada à sua produção de cartografias esquizoanalíticas (GUATTARI, 2013). O conceito de complexidade pode ser pensado da mesma maneira que as cartografias esquizoanalíticas, ambos conceitos são gerativos e servem não apenas para entender, mapear e analisar mas também para incitar (unleash, inventar, criar, modular processos. A complexidade surge com as bifurcações incitadas pelos processos clínicos no seu encontro com a micropolítica, e faz parte da heterogênese ontológica de Guattari. Guattari define em Caosmose (1992) que “a esquizoanálise, mais do que ir no sentido de modelizações reducionistas que simplificam o complexo, trabalhará para sua complexificação”, o que ele chama de um “enriquecimento processual”. A esquizoanálise e a cartografia trabalham então de maneira a corroborar a “tomada de consistência de linhas virtuais de bifurcação e de diferenciação” (GUATTARI, 1992, pp. 90-91) em processos de subjetivação. Essa proposta diagramática (e não programática) de Guattari não quer levar sujeitos concretos a bloqueios reais, expondo suas vidas a um caos que os imobiliza, mas quer incitar “caosmoses”. Aquilo que nos imobiliza, por sua vez, são os processos de subjetivação capitalísticos, que exaurem nossa potência de desejo, pré-significando nossos fluxos produtivos dentro da normatividade do capital (subsunção da arte, subsunção da política, subsunção da clínica, subsunção da cartografia – tudo a serviço de uma reprodução social colada ao significante capitalístico). (…)

Para o texto completo baixe aqui

Publicado originalmente na Revista Indisciplinar (UFMG), 2015

duelos sobre a maternidade

sei não essa coisa da #maternidade ser tão polêmica é porque nos mostra simplesmente que todos saímos de uma xoxota arregaçada (ou de uma barriga cortada), depois de meses de um estado nada racional (que se extende à infância claro) em que tudo o que tínhamos era água pura, calor e o ritmo do batimento cardíaco, dos gases, dos movimentos dos corpos de nossas mães e daqueles que as rodeavam. o contraste do mundo da barriga com o mundo ‘de fora’ mostra que somos nem tanto humanos, mas que somos muito mais animais do que gostaríamos, e por tanto controlamos tanto, ou tentamos controlar isso que é assim mistério de multiplicação da vida. quanta prepotência há no duelo sobre a maternidade. é o seguimento do heterocapitalismo, do qual muitas mulheres também se iludem, de uma incompreensão em larga escala de que algo se perdeu. não falo de uma maternidade arcaica, nem só de mulheres, falo de maternagens, de jeitos de cuidar, e de sair desse controle absurdo sobre aquilo que expressamos e sentimos com o duelo que vivemos entre reprodução social e cuidado reprodutivo. é complicado porque nesse tema se separa muito a percepção da mãe-nova-mulher (na onda das novas maternidades super empoderadas) e a criança (e seus mundos sensíveis em construção, e por outro lado as infâncias idealizadas, etc etc). quem sabe uma pequena viagem à nossa própria vida quando embarrigados poderia mudar um pouco a perspectiva.

Processos de pesquisa, produção de conhecimento e criatividade processual /// sinopse

Processos de pesquisa, produção de conhecimento e criatividade processual:

Cartografias esquizoanalíticas no Brasil

A tese analisa o conceito de “cartografia esquizoanalítica” a partir do trabalho de Félix Guattari e seu desenvolvimento prático e teórico no Brasil. Práticas cartográficas vem sendo desenvolvidas extensivamente no Brasil desde os anos 1980, sobretudo a partir das teorias e práticas de Guattari e dos contextos da análise institucional francesa e psiquiatria institucional italiana. Cartografias esquizoanalíticas podem ser desenvolvidas como uma ferramenta ou como um dispositivo para analisar o agenciamento coletivo do desejo.

Cartografias mapeiam e criam: elas são realizadas por aqueles que querem produzir suas próprias vidas, ao mesmo tempo em que resistem à opressão e os diversos modos de subjetivação capitalista que levam à subsunção do desejo, do afeto e da criatividade. Em resposta a isto, essa tese traça cartografias esquizoanalíticas que desenvolvem novos processos de pesquisa e novas formas de organização, subjetivação e institucionalização no Brasil.

Explora termos centrais no trabalho de Guattari, como os conceitos de ‘transversalidade’ e ‘micropolítica’ para analisar práticas de processos de pesquisa na academia, como o grupo de pesquisa Subjetividade Contemporânea, e grupos de teatro trabalhando em transversal com saúde mental como a Companhia de Teatro Ueinzz. Analiso como esses processos trabalham através das instituições, das práticas teatrais da clínica e do corpo social. A tese analisa a relação entre ‘subjetividade processual’ e ‘criatividade processual’, propondo o ‘processual’ como a forma de acoplamento entre sujeitos, modos de expressão e instituições.

Esta tese argumenta contra noções redutivas de arte politicamente engajada que propõe oposições entre as práticas estética e política, e trabalha contra definições institucionalmente circunscritas de pesquisa baseada em prática. Ao contrário, esta tese propõe novos recortes e diferentes genealogias de práticas que transversalizam e radicalizam a produção estética, conectando tais práticas a suas bases políticas, por for a da agenda das grandes instituições culturais, dos mundos e mercados da arte. A partir da análise de práticas, esta tese argumenta que cartografias esquizoanalíticas trabalham conjuntamente a ‘criatividade processual’ e a ‘produção de subjetividade’ permitindo uma reorganização dos campos dapolítica, da estética e da produção do conhecimento.

* Tese aprovada em Dezembro de 2016 no Art Department, Goldsmiths College, University of London, UK. Bolsista Capes – Doutorado Pleno, 2012. Supervisão de Dra. Susan Kelly.

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magic surveillance

pretty magic, such as things are when we are being watched. I arrived at my mum’s house and the post men came with his yellow bike.  I said ‘you do have something for me’. and he hand delivered your purple letter to me. not that he knows me, but we had a quick chat the other day. are we being watched? when you mentioned a letter, it arrived! I played with my mum that the guy delivers letters randomly, each day he picks up one, so trying to predict when something will arrive or stamp date doesn’t make any sense. gracias. te escribo pronto

Adults traps

While our children sleep we set traps. Adults traps. Adults fall in love, get lost in plans, hassle, plan trips, come, laugh, are drunk. Adults swap gender, do make up, have their bodies naked, make themselves either big or small, sneak into each other, suffer and desire, piously. Adults dream that enter each others bodies, and do enter each other bodies. Adults dream in politics, and dream about a passage from one plane to another, as it would be more feaseble, that the military will fall, so they plan attacks, guns, black flags. Between boleros and dramas, bad beer and unfinished analysis, they scratch their bodies in the streets, in the dirty walls, they smoke what burns them inside out.
When our children are asleep, we fly away, and we run over each other, we fight. When our children wake up, they wake up our dry eyes, and a new journey starts. In the fresh morning the revolution of truth, libidinal from another era. In front of the nostalgic eyes of those dreams and comings, in front of the demolished bodies from the previous night, small bodies, subtle, and light. Filled up with plans. And we turn to them – absolutely – gigantic bodies in the morning. New trials and new tests to what ails us. Subtle and light bodies that ask for care, smaller than ours, they proof us that, maybe, we will fail. They bring challenges from another scale. Hangover in the adults eyes, attentive, however, to the marvellous dimension, fantasious, energetic of our children. Our eyes carry some sort of fear, fed by a small-big impression that we wont be able to hold the topsy-turvy dimension of our children’s semioticisations. Small child, its like: inventive present. In the body of the adult, on the other hand, a little bit of death, floating alcohol, unfinished lush, questions of order, greed for a longer night.
We wake up in another plane.

Attack plans from the previous night falter. The world of the adults traps gets lost in the porosity of the morning. Veridical and sweet eyes, usurpating. Usurpating the passage and the crossing plans, delaying for the next night that world of dramas, delirium, erroneous slut, a world of passions. Adults traps. We run over each other more and more seriously than in children’s battles. Of course. We are night gladiators. We have desiring bodies. But the other ones, the small morning gladiators, they put us in retaguard. Small bodies, not less transformative.
When our children wake up we are surrended. We leave behind the bed with its lakes and lascivious marks, we get out to the wilderness of the house, we cross by real obstacles, material, colourful, stockable, talkative, breakable, threatening. The direction of the adults passions is drained by the touch and the sight, for when our children wake up we realise we have gone far, to a world of fears, our smallness, and, in front of us we have an excess of tender, warmth, risk and pure passage.

When our children wake up we burn with longing, longing for the traps we have arranged, as if it would be easy to get rid of them, as if the night betrayals where fair play, as if we would be more equal in these battles, those that when we lose, we strieve even more. Adults create traps as a drift, they play with themselves, they get drunk in their gozos, they relief from pure room of something bigger.
Adults wake up in scorched land (and scorched themselves). But no, its another plane. Consistency by caress, consistency by breaking that sovereignity.

Adulticities. Adults traps get lost in the morning. Small bodies defeat and lead the retaguard. Surrended, adults bodies abandon their projects, and their traps. Navigated by silky affects, the small (gladiators, liders, revolutionaries…) are soliciting us in such a soft way. Even so they call us, they convoke us. They don’t know about our death-alive bodies, the chilly shivering, the sufferings with politics, the crossings of affect. They don’t know we wake up all of a sudden, and from delirium.
They look at our eyes, steady:
– Are we ready, are we?
– Or are we still trapped?

*

Read this text in portuguese [here]

Trampas de adultos

Enquanto nossas crianças dormem se armam trampas. Trampas de adultos. Adultos se enamoram, se perdem em planos, criam lios, e planejam viagens, gozam, riem, estão bêbados. Adultos trocam de gênero, maquiagens, corpos nus, se fazem grandes e pequenos, se inmiscuem uns nos outros, sofrem e desejam, piamente, mais do que podem. Sonham que entram e entram um no corpo do outro. E sonham políticas, e sonham que a passagem dum plano a outro é mais possível, que os militares cairão, e planejam ataques, armas, bandeiras negras. Entre boleros e dramas, cervejas ruins e análises inacabadas ralam os corpos nas ruas, paredes sujas, e fumam o que lhes queima.

Enquanto nossas crianças dormem voamos longe, fazemos atropelos, brigamos. Quando nossas crianças despertam, acordam nossos olhos secos, e começa uma jornada. Na manhã fresca a revolução da verdade, libidinal de outra era. Diante dos olhos nostálgicos daqueles sonhos e gozos, diante do corpo demolido da noite anterior, pequenos corpos, sutis, e leves. Cheios de planos. E nos tornamos para eles –  absolutamente – agigantados na manhã. Vem aí outras provas para as trampas que nos afligiam. Corpos sutis e leves que pedem cuidado, mais pequenos que os nossos, e nos provam, talvez, menos capazes para nossos planos. Os desafios que trazem são doutra escala. Nosso olhar de ressacas é atento, contudo, à sua dimensão maravilhosa, fantasiosa, energética. Nosso olhar carrega um pouco de temor, alimentado pela pequena-grande impressão de que não daremos conta da dimensão escalonada, às avessas, das semióticas infantis. Criança pequena, igual a: presente inventivo. No corpo do adulto, por outro lado, um pouco de morte, álcool flotando, questões de ordem, gozo que não cessa, ganância de uma noite mais longa.

Titubeiam os planos de ataque da noite anterior. O mundo das trampas adultas se perde na porosidade da manhã. Olhos verídicos e doces, a usurpar. Usurpar os planos de passagem, de travessia, a fazer tardar para a noite seguinte aquele mundo de dramas, de delírios, de errôneas sacanagens, aquele mundo de paixões. Trampas de adultos. Se atropelam muito mais e pior que nas batalhas infantis. Claro. Gladiadores da noite. Corpos de desejo. Mas os outros, gladiadores pequenos das manhãs, fazem de nós pura retaguarda. Corpos pequenos, não menos de transformação.

Quando nossas crianças acordam estamos rendidos. Deixando a cama dos lagos e gozos, saímos na selvageria da casa, atravessando obstáculos reais, materiais, coloridos, montáveis, falantes, quebráveis, ameaçadores. O rumo das paixões adultas é dragado no toque e no olhar. É que quando nossos filhos despertam nos damos conta de que viajamos longe, a um mundo de gozos e medos, nosso apequenamento, e temos agora, diante de nós ternura e calidez de sobra, risco e pura passagem.

Quando nossas crianças despertam ardemos de saudades das trampas que arrumamos, como se delas fosse mais fácil desvelar-se, como se as traições noturnas fossem o jogo limpo, aquele em que estamos em pé de igualdade, aqueles em que batalhas não vencidas acendem mais luta. Adultos criam trampas como desvio, brincam consigo mesmos, embebedam-se de seus gozos, aliviam-se por puro ensejo de coisa maior.

Acordam em terra arrasada (arrasados em si). Mas não, é outro plano. Consistência por carícia, consistência por quebra daquela aparente soberania. Adultices. Trampas de adultos se perdem na manhã. Corpos pequenos desafiam e lideram a retaguarda. Rendidos, corpos de adultos abandonam os projetos e as trampas. Navegam por afeto sedoso, pois os pequenos (gladiadores, líderes, revolucionários) nos solicitam da maneira mais suave. Ainda assim nos convocam. Eles não sabem dos nossos corpos meio morto-vivos, de gélidos arrepios, dos sofrimentos da política, dos atravessamentos do afeto. Não sabem que acordamos de súbito, e de delírio.

Nos olham, a postos:
–  Estamos prontos, estamos?
–  Ou ainda estamos atrapados?

*

Versão em inglês [aqui]

mundos inacabados (1)

a língua é uma coisa impressionante. li há pouco, e imediatamente absorvi o vocábulo ‘bostejar’ (ie naquela tragicômica crônica da mentalidade crasse média da barra – ‘há grupos mídias sociais etc para bostejarem’). a liberdade dentro de uma coisa entendida como língua é quase territorializante, não fosse a luta de classes sempre presente pra desbancar a mentalidade da classe média e abrir franca desterritorialização. ‪#‎mundosinacabados‬ ‪#‎lavaroupasuja‬ ‪#‎privilegiobranco‬

{ver https://medium.com/@dinhorio/dinho-o-preconceituoso-67ff85904f9a#.a96rv9w21 }

Loucura (Análise da,)

Loucura (Análise da,)
Cristina Ribas

Alguém imagina-se sem laterais. Sem classificações. Sem trilhos. Tudo o que tem a cuidar é o seu próprio corpo. Alimentado com café e muito açúcar. Alimentado com o que sobra de afeto dos outros que passam. Ou, cuidado bem de dentro de casa, ou bem cuidado numa casa-coletiva que lhe produz junto, como engrenagem macia. Vida que borda, vida que compartilha, vida que aprende a cuidar do outro. Vida que se separa de si mesma, que imagina outras realidades, mais materiais e mais imagéticas que essa convencionada aqui entre nossos corpos. Vida que não se separa da vida dos outros.

Uma das loucuras do Brasil é essa soltura de modos de gente que se acumulam nas calçadas ou que se escondem e se misturam nas instituições manicomiais e nas casas compartilhadas. Que cantam por aí. Que fazem teatro. E que dão discursos nos bancos corruptos.

A loucura não é só do Brasil, claro. Mas alguma razão há por que tem tanta loucura aqui. E há algo que faz essa loucura visível, muito visível. Ou são meus olhos que vêem demais a soltura da loucura.

Há modulações da loucura, assim como há modulações do cuidado da loucura.

A análise da loucura, por sua vez, não deve ser uma que a abafa. Ou moraliza. Não deve ser uma que medicaliza, uma que faz a loucura desaparecer. Nesse sentido, deve ser uma análise de cuidado ativo, produtivo, que não multiplica a loucura per se, mas que encontra com elas caminhos de efetuação da vida. A análise da loucura deve tornar-se análise do desejo.

A análise do desejo produz uma trama fluída, que compõe com a liberdade da loucura. Mas com o fim da  liberdade detecta-se a expressão de microfascismos. Ali a loucura ‘vira’, é outra loucura. Que nos chama aos nossos limites. Olha pra isso. Olha que loucura! Já não mais cremos no que vemos.

O que é que se concentrou no corpo daquele homem-policial? Que energia ou fraqueza foi transferida a seu gatilho que disparou e que matou o camelô na calçada da Lapa? (São Paulo) O homem é logo submetido a análises patologizantes – sua esquizofrenia, suas neuroses, suas psicoses, seus medos, suas nóias, seus crimes anteriores. Arrisco dizer: sua loucura primeira e última: ser policial. O mesmo se faz com aqueles que protestam, claro. Mas esses são classificados como loucos ou perigosos para que imediatamente seu potencial político seja apagado. Arriscam dizer: sua loucura: o desejo de protesto. A personificação dos casos não pode, contudo, interromper a compreensão de como os eventos são sintomáticos de modos sociais, de organizações e instituições que nos formalizam. Ou às quais resistimos.

É nesse ponto que a análise da loucura não pode descansar. Ela vai perceber as sutilezas, as especializações, as acoplações com o poder. A loucura higienista, que se torna controle da vida alheia. Que faz gente desaparecer, gente morrer de fome, gente vadiar sem casa, gente revirar-se em resistência. A análise da loucura vai tentar ler aquilo que autoriza a expressão das linhas mais e menos visíveis de microfascismos que, por sua vez, revelam sua relação intrínseca com uma superestrutura. O fascismo na sua dimensão macropolítica.

Loucura já conhecida, disfarçada de política. Loucura que não é o governo do navio dos malucos, daqueles soltos e libertos, daqueles exilados, e daqueles autonomizados, que criam e que diferem. Mas daqueles que marcham juntos diante de um altar, que desejam um porvir que não chegará em vida, que vendem suas almas.

Entre a loucura do fervor religioso, do fascismo e da homofobia não há muita diferença. Elas se associam ao discurso do poder e de uma moral normalizante que autoriza o massacre à luz do dia de casais gays, de povos indígenas, de velhos e de pobres negros, de mulheres fortes e de prostitutas, e dos loucos libertos por eles mesmos, que anunciam sair de um tipo de mundo, de um mundo estritamente normal e economicamente produtivo.

Eu olho para esse modo da loucura que produz uma moral maior sem ética. São loucuras higienizantes que operam nos tribunais, nos conluios econômicos, nos esquadrões policiais. Sua fraqueza é um desejo de poder. A loucura colada ao microfascismo e ao poder de estado produz uma realidade comum que se opõe a abrir qualquer negociação social. Bolsonaro. Cunha. E talvez seja errado analisar desejo de poder chamando-o de loucura. Talvez seja uma tentativa de captar e isolar ao modo da patologia aquilo que já não mais podemos aceitar.

A análise da loucura não é, então, detectar uma loucura boa e uma loucura má. Nem isolar a loucura como sintoma de uma pessoa só. A loucura, assim como o desejo, são produções sociais. Analisar a loucura é ir por outros lados: ir para além da domesticação da loucura e ao mesmo tempo estar atento a intervir na loucura da moral sem ética que se facializa com o poder, que se expressa como controle, que é esquadrinhada e cientificizada em planos de ordem e produtividade social.

Da análise da loucura, da loucura solta, que não tem medo de destruir a si, pode emergir por meio de um escrutínio incontrolável, da abertura de um diagrama complexo, o poder que centraliza o fascista, e ele, transparente, isolado, neurótico e fóbico, com medo da multidão promíscua.